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A propósito de três notícias

O extraordinário movimento que tomou conta das ruas da Argentina nos últimos meses é imparável. Lá como cá, o direito ao aborto seguro vai ser lei.

Cá como lá, o direito ao aborto seguro vai ser lei

Nós sabemos como foi difícil, o tempo que demorou e como hoje é incontestável. Muitos anos de luta, muitos anos a tornar visível uma realidade que se queria esconder, muitos anos para abrir espaço para o tema num mundo político conservador, mas também masculino e machista (mesmo à esquerda), muito sofrimento, muitas mulheres que morreram desnecessariamente, muita solidariedade, muito combate. E mesmo depois de toda essa luta, foi só ao segundo referendo que ganhámos. Assim é na Argentina. Ontem mesmo, o Senado rejeitou por poucos votos a lei que o parlamento tinha feito para legalizar o aborto até às 14 semanas. Agora, uma aliança de conservadores, apologistas do negócio do aborto clandestino e arautos da imposição de um moral particular a todos, celebram que este progresso tenha sido adiado. Mas o extraordinário movimento que tomou conta das ruas da Argentina nos últimos meses (e que já vem de antes), a mobilização das mulheres, dos jovens e das jovens que tiveram este batismo na luta e que não estão para desistir, a força desta exigência de saúde pública e de respeito pela escolha, são imparáveis. Lá como cá, mais cedo que tarde, vai ser lei. “Aborto legal para não morrer, educação sexual para decidir, acesso a contraceptivos para não abortar”. Vai ser lei.

Até quando Portugal será um imenso eucaliptal?

Uma semana de inferno até o fogo ser finalmente dominado. Aos operacionais que estiveram no terreno, devemos o agradecimento. Às pessoas que sofreram, que viram as suas casas ameaçadas, que tiveram a vida em risco ou que ficaram sem nada, devemos apoio e solidariedade. Na análise das causas, devemos ser exigentes, para perceber o que tem mais de se fazer do ponto de vista do ordenamento do território e da preparação da resposta em termos de combate. Uma coisa é certa: Portugal continua a ser um imenso eucaliptal. A olho nu, senti isso mesmo quando, por estes dias, andei pelo interior do distrito de Aveiro: a presença da Portucel sente-se por todo o lado. Um bom amigo, que faz do que pensa não apenas ideias abstratas mas gestos concretos, dedicou-se a arrancar eucaliptos da zona onde fica a sua casa, para os lados de Entre-os-Rios. “Hoje foi dia de arrancar milhares de jovens eucaliptos; para que a terra possa reerguer-se mais saudável com outras espécies...”, escreveu no Facebook. Na mancha florestal de Monchique, o eucalipto ocupa metade dos cerca de 30 mil hectares, que também aí servem às empresas de celulose. É evidente que o eucalipto não é a explicação única para os incêndios. Há muitas outras: mau ordenamento do território, escolhas políticas que levaram ao abandono e despovoamento de uma grande parte do país, para além das opções sistémicas que nos conduzem às alterações climáticas. Mas depois de tanto debate sobre isto, como continuamos a tolerar que esta seja a árvore mais plantada no país e que manchas contínuas continuem a ser plantadas, com os custos para todos que isso tem, e não são poucos?

Segurança privada: esperar para ver

Era uma lei importantíssima, e o timing de aprovação é estranho: em pleno agosto. Na segurança privada trabalham 37 mil pessoas, muitas delas vítimas da desregulação do sector, do dumping e da manipulação dos horários, da concorrência pelo menor preço nos concursos públicos e privados. A regulação deste setor é crucial para impedir práticas de concorrência que degradam a qualidade do serviço e que esmagam direitos de quem trabalha. Mas a regulação é essencial também para definir o que é e o que não é atribuição deste setor, para impedir que sob a sua capa se abriguem atividades criminosas e para definir o que cabe à ação do Estado e das forças de segurança e o que cabe ao setor privado. O Governo aprovou esta semana a proposta de lei, mas ela não é ainda pública nem chegou ao Parlamento. Espero pois para ver. Mas as notícias sobre a possibilidade de seguranças privados poderem fazer revista às pessoas por apalpação é no mínimo estranha. Além disso, espera-se que aspetos essenciais venham a ser acautelados na versão final da lei, desde logo a responsabilidade solidária de quem recorre à subcontratação de serviços de vigilância e segurança privada (para que umas empresas não lavem as mãos com outras), uma inspeção mais forte e mais inteligente (designadamente sobre as condições de trabalho), a garantia de que as regras da atividade são realmente cumpridas, acabando-se com a impunidade e suspendendo-se ou retirando-se o alvará a todos os que não o façam. Que seja desta.


Artigo publicado no site do Expresso, 10/8/2018.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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