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Santana Lopes e Nuno Garoupa, os novos partidos da velha política

Imitar Salvini e Trump pode parecer apetecível, mas duvido que seja eficaz para um novo partido. Um novo partido só para dizer o que o CDS pensa mas de que tem vergonha e para arrastar o PSD mais para a direita é um projeto sem chama.

Santana Lopes anuncia que vai finalmente concretizar o seu sonho de trinta anos e que fará um partido, mas nem uma brisa se levanta. Uma sondagem diz 1,9%, ou que o partido morre nas europeias. E, mesmo que um milagre duplicasse o resultado e levasse Santana a Bruxelas, a corrida obrigava-o a candidatar-se ao Parlamento três meses depois, saindo logo desse lugar, o que lembraria demasiado uma imagem de que ele nem quer que se fale. Mas, entretanto, não se conhece uma alma que se tenha juntado à aventura. A barca vai vazia e não sei se vai segura. Um partido de um homem só fracassa inevitavelmente, como houve prova provada na política portuguesa dos últimos anos.

Acresce que, se a motivação é exotérica, o projeto é mal engendroncado. Dele Santana Lopes confessa dois intuitos. O primeiro é reclamar Portugal menos europeu e recusar as pisadelas de Bruxelas. Nobre intenção, mas como é que a coisa se faz? Sair do euro, recusar os tratados, vetar as resoluções custosas, recusar o consenso? Mostrar a May como se manda, envergonhar os italianos, derreter os franceses, bater nos alemães? Ele não aparenta nem a mais pequena ideia. E, como as últimas décadas constituíram penosa mas eficazmente uma forma de ser e de pensar, que é a de uma elite subjugada ao subsídio europeu e que abomina a ideia de se lançar à vida sem o amparo desses cabedais, Santana Lopes não consegue nada à direita com este arremesso nacionalista. Só teria uma solução, atirar-se aos imigrantes, mas não é seguro nem que isso dê votos, nem que ele tenha estômago para dar uma de Legião Portuguesa. Em resumo, se fizer de Manuel Monteiro só está a concorrer com Nuno Melo, que anda tão aflito com a perspetiva que antecipou a sua campanha num ano, mas o país não parece reservar qualquer emoção para com essa evocação fantasmagórica.

O segundo pilar do novo partido é outra faceta de uma serôdia reclamação de portugalidade, desta vez uma ideia de um país tradicionalista, temente e obediente à sacristia. Nesse país as mulheres seriam presas se abortam, os casais gay teriam de viver às escondidas, os jovens piariam fininho, tudo seguiria o missal. Ora, essa política é muito velha, quase toda a direita foi-se vendo livre do pesadelo salazarento, duvido que queira voltar atrás. Em resumo, imitar Salvini e Trump pode parecer apetecível, mas duvido que seja eficaz para um novo partido. Um novo partido só para dizer o que o CDS pensa mas de que tem vergonha e para arrastar o PSD mais para a direita é um projeto sem chama. E, se o partido era para ser liberal, sair assim uma coisa penumbrenta e reacionária não lembra a ninguém. Nessa direita da direita não mora ninguém.

Apesar de tudo isto, novo partido teremos. No fundo, essa é a única explicação, a pulsão de fazer um partido que é meu. Se tudo corre mal, se o Presidente correu comigo quando o palácio de S. Bento me foi entregue por estranha conjugação astral, se tenho saudades do poder, quero um partido, que é o mais parecido que está disponível no mercado.

Fazer um novo partido, como nesta tentativa tão trôpega, tem no entanto muitos pergaminhos e não só nos encontros que Santana Lopes ia periodicamente organizando para testar a ideia. Na direita, outras tentativas têm sido mais circunspectas, mas não menos insistentes e, já agora, fracassadas. Nuno Garoupa, que vem da área do CDS e escreve regulamente na imprensa sobre os outros partidos e sobre o mapa e leis eleitorais, assunto tão do seu interesse, foi um dos protagonistas de uma experiência recente, a que prudentemente deixou de se referir: já vai para um ano, um grupo de personalidades juntou-se para arremeter com um novo partido, diziam-se “inquietos”. Não eram muitos nem queriam ser muitos, só vinte, o clube deve ser seleto. Jantaram, como convém, e em Coimbra, que é centro. A sobremesa era um novo partido liberal à direita, mas parece que algum pudim de abade de Priscos os satisfez e não se falou mais da aventura de descer à capital para partidar.

É assim à direita e à esquerda. Na esquerda, talvez ainda mais, florescem os grupos que resultam de cisões, assim sendo da negação e não da afirmação, uma divergência sobre isto ou aquilo e parte-se para um novo grupo para um novo partido. Todos têm dado com os burros na água. No caso da esquerda, é uma lepra ideológica. No caso da direita, parece ser antes um destino de personalidades perdidas nessa sua grandeza que a Pátria teima em não perceber.

 

Artigo publicado em expresso.pt a 7 de agosto de 2018

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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