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Os afetos de Marcelo
Não julgo o estilo afetuoso de Marcelo Rebelo de Sousa no exercício presidencial. Quem critica os seus excessos terá razão que as filas para selfies em tenda própria na última Feira do Livro de Lisboa só confirmam. Quem se indigna com a exuberância da exibição mediática do estilo afetuoso terá razão que a permanente combinação entre improviso e “sentido de câmara” só confirma. A popularidade – só comparável à das vedetas futebolísticas ou das telenovelas em prime time - granjeada ao Presidente da República pelo seu estilo afetuoso é uma evidência e julgá-la eticamente não tem razão de ser.
Mas Marcelo Rebelo de Sousa tem afetos de dois tipos. Um é esse, de alcance popular, e que é a forma por ele escolhida para a relação com os mais frágeis da sociedade portuguesa. Marcelo não questiona o sistema que gera pobres ou que explora trabalhadores, dá-lhes abraços. Marcelo não põe em causa a eucaliptização que serve de combustível para fazer arder o país abandonado, prefere afagar os velhos que ficaram sem nada. Lá onde a visibilidade pública dos afetos é a marca do Presidente, a escolha política faz-se pelo silêncio.
E depois há os afetos políticos assumidos. Marcelo Rebelo de Sousa tem um evidente programa político que, como todos os outros programas políticos, privilegia classes e grupos sociais em detrimento de outros. Os vetos e os apelos de Marcelo têm sido veículo claro dos seus afetos políticos e ideológicos. Quando vetou a lei que dá direito de preferência aos inquilinos na venda das habitações de que são arrendatários, o Presidente da República sabia que esse veto daria um tempo precioso à Fidelidade para vender 277 imóveis ao Fundo Apollo e fragilizaria a defesa do direito à habitação de milhares de famílias. Por quem teve afeto Marcelo? Quando apela a um “amplo consenso” (leia-se: entre PS e PSD) sobre o Serviço Nacional de Saúde e faz um ruidosíssimo silêncio sobre a sangria do SNS pelas parcerias público-privado, por quem tem afeto Marcelo? Quando enaltece os acordos entre Governo e patronato que mantêm no Código de Trabalho normas humilhantes para os trabalhadores impostas pela Troika, por quem tem afeto Marcelo?
Quem se entretiver com a estrela mediática e o seu estilo e se distrair do interveniente político e do seu programa ideológico não captará a importância de Marcelo Rebelo de Sousa na configuração das escolhas políticas do país. Os afetos ideológicos de Marcelo são os que realmente contam. São esses que importa escrutinar politicamente.
Comments
Caro J.M.Pureza. O último
Caro J.M.Pureza. O último paragrafo do seu artigo define de forma fina e acutilante e real papel do P.R. na atual conjuntura.
Porem não deixa de ser verdade que os afetos do Marcelo causam alguma urticária à direita extremista do PSD (saudades do cavaco), que não lhe compreendem a subtileza. Os Montenegros, os Amorins, os Hugos Soares (este então é labrego até mais não) andam mortinhos para impor uma política "nova" estilo Bolsonaro. Estava a esquecer-me daquela eminência doutorada que escreve (eu ia dizer vomita) no JN às segundas feiras. Se estas tias andam tontas isso é bom. Algumas até já saltam fora. Outras mais ambiciosas ficam dentro a dar facadas. O Rui Rio está quilhado. Ele queria reconstituir um PSD Liberal democrático quanto baste, e só um pouco reaccionário. Esqueceu-se de um pequeno pormenor. É que o Sá Carneiro, deixou entrar lá para dentro todos os trastes da ANP/UN salazarista. Onde está então a direita populista à espera de oportunidade? É lá no PPD/PSD com grande inveja do CDS. Não tarda nada vamos ter o verdadeiro PPD tipo PP à espanhola onde se venera Franco.
Só ainda não percebi porque é que o Hugo Soares não defendeu uma estátua do Salazar a meio caminho da do Gomes da Costa e do Cónego Melo.
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