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A social-democracia, o PS e o socialismo

Aqui radicam as verdadeiras divergências no PS: retomar o caminho das reformas ao “centro” em colaboração com a direita, ou manter alguma distância desse caminho em diálogo com a esquerda?

O Congresso do PS foi atravessado por algumas preocupações de identidade política. Parece ironia do destino para uma corrente tão antiga e tão enraizada na história das ideias e do movimento operário. A verdade é que a social-democracia está em grandes dificuldades em toda a Europa e a experiência portuguesa é apenas uma originalidade mal compreendida.

A social-democracia hoje nada tem a ver com a do século XIX, quando era revolucionária, e cada vez se afasta mais da social-democracia que no pós-guerra ajudou a criar o Estado Social público e os mercados nacionais muito regulados. O programa da social-democracia contemporânea resume-se à intenção de domesticar a globalização capitalista e as diferenças entre as suas sensibilidades enunciam várias formas de o fazer.

Uns pensam retirar a máxima eficácia da liberalização dos mercados para, depois, as políticas sociais “atenuarem” o seu impacto negativo sobre os mais vulneráveis, outros (minoritários) pensam que o Estado não só deve intervir previamente no desenho de vários mercados, para os regular com mais facilidade, sobretudo nalguns setores de interesse económico geral, como deve ter um papel mais forte na promoção da inovação.

Mas o binómio da globalização capitalista (a integração dos mercados dos diferentes países e a sua liberalização) seria a mola virtuosa do progresso, e os problemas para resolver os “danos colaterais” desse modelo. A ideia de socialismo foi substituída pela proteção face aos efeitos indesejáveis do progresso técnico e pela correção dos excessos da liberalização.

Compatibilizar capitalismo globalizado com baixos níveis de desigualdade e de pobreza é uma contradição difícil de superar, senão mesmo impossível. A globalização é a busca de relançamento da taxa de lucro das economias mais fortes tirando partido das diferenças internacionais, é a imposição da lei do mais forte. Diferentemente do que aconteceu no pós-guerra, quando o Estado-Nação controlava as principais políticas públicas, agora a globalização acentuada pela integração europeia dependente só pode reproduzir as desigualdades predominantes.

É preciso resgatar a própria ideia de socialismo como projeto alternativo, baseado na propriedade pública dos setores fundamentais da economia, na legislação laboral avançada que dê poder aos trabalhadores, no pleno emprego, na reorientação das políticas públicas desligando-as da lógica do setor privado, no reforço do investimento público, na imposição da renegociação justa da dívida pública, na transição energética, ambiental e urbanística para o combate aos flagelos que atingem a humanidade.

O socialismo sempre esteve associado à rutura com o capitalismo, quando abandonou esta perspetiva converteu-se numa variante de capitalismo. Nalguns países desenvolvidos da Europa foi possível combinar níveis de bem-estar e acesso universal aos serviços públicos com o capitalismo. É duvidoso que isso hoje seja possível em geral. Ou o socialismo regressa à tradição anticapitalista ou será apenas uma versão mal disfarçada do capitalismo globalizado.

A. Costa tem governado com o apoio da esquerda contendo os piores danos das políticas conservadoras da União Europeia, beneficiando de uma direita acantonada e da boa conjuntura económica. Porém, este modelo tende a esgotar-se. Os níveis de apoio da atual solução governativa podem esvair-se, são necessárias medidas com impacto estrutural, isso tem significados diferentes à esquerda e à direita. E a direita mudou de atitude e saiu do isolamento com Rui Rio.

Aqui radicam as verdadeiras divergências no PS: retomar o caminho das reformas ao “centro” em colaboração com a direita, ou manter alguma distância desse caminho em diálogo com a esquerda? Esta alternativa é difícil de gerir. Costa poderá não ter condições para executar o seu verdadeiro projeto, governar com a esquerda para poder ter algum entendimento com a direita. Sobretudo se a esquerda estiver à altura das suas responsabilidades.

Sobre o/a autor(a)

Economista e professor universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda.
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