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A NATO ou a vida

António Costa levou à cimeira da NATO um quadro anualizado da despesa em defesa até 2024. Trata-se de um aumento gradual da despesa em percentagem do PIB que, só em 2018, será da ordem dos 330 milhões.

É verdade que este quadro fica aquém dos 2% exigidos por Trump. Mas, ainda assim, Costa garantia no final que com os fundos que hão de vir de Bruxelas poderá ser possível tocar o mítico número. Seja como for, estamos a falar de um aumento bem superior a mil milhões em seis anos.

No plano das prioridades, a escolha é arrepiante. O Serviço Nacional de Saúde e a escola pública, ou a ciência e a cultura, evidenciam enormes fragilidades decorrentes dos cortes colossais impostos pelo governo de Passos Coelho. Mas a verdade é que o atual governo tem deixado demasiado por fazer a nível do necessário reinvestimento nestes serviços.

O SNS e a escola pública, ou a ciência e a cultura, evidenciam enormes fragilidades decorrentes dos cortes do governo de Passos Coelho. Mas o atual governo tem deixado demasiado por fazer a nível do necessário reinvestimento.

Sempre foram claras as intenções do governo de cumprir escrupulosamente as metas acordadas com Bruxelas e que isso foi pré-condição aceite pelos seus parceiros para que a atual maioria parlamentar fosse possível. Mas, em primeiro lugar, cumprir é cumprir, não é ultrapassar as metas em largas centenas de milhões de euros. Em segundo lugar, cumprir metas e ir para lá delas obriga a assumir escolhas. Será que a despesa militar é o que faz falta num país que se esforça por sair da mais grave crise social da sua história democrática?

Esta escolha tão questionável ocorre ao mesmo tempo que a própria União Europeia reorienta o parco orçamento comunitário para a defesa e segurança, em detrimento da coesão. António Costa criticou, e bem, essa reorientação. O mínimo que poderia fazer era compensar estas bizarras reorientações comunitárias com uma política orçamental nacional em sentido inverso. Em vez disso, a opção parece ser a de as mimetizar, agravando por isso o seu impacto. É pena que assim seja. O mínimo que se poderia exigir a um governo de um país em crise era que remasse contra a maré militarista.

Neste caso concreto, estas escolhas serão justificadas pelos compromissos com a NATO. Mas isso leva-nos a questionar exatamente qual a razão de tamanho zelo. A NATO é uma organização que tem perdido centralidade há já vários anos e Trump tem feito questão de acentuar essa marginalização. Boas notícias? Nem por isso. Na realidade, a NATO tem sido frequentemente substituída por coligações militares de geometria variável impulsionadas pelos Estados Unidos. Ou seja, a NATO tem sido preterida por soluções ainda menos multilaterais. Continua lá, disponível para quando a sua utilização for conveniente para os interesses dos Estados Unidos, mas não impede nada, não modera nada, não medeia nada.

É nisto que vamos gastar mais de mil milhões de euros/ano adicionais que poderiam fazer desaparecer muitos dos problemas sociais, que perdem sempre em nome dos compromissos europeus ou transatlânticos. Merecemos bem melhor. Merecemos um Estado que começa pelos compromissos com os seus, a quem deve garantir os direitos mais básicos, aumentando gradualmente o investimento em saúde, educação, cultura e política social. Poderia começar já agora.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 15 de julho de 2018

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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