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Costa e a Caixa ou a história de um novo e imenso “interior”

Costa arrisca-se a deixar como legado um imenso “interior”, em parte povoado à força “pela pressão do mercado”, em parte sem vivalma, vagueando moribundo ao sabor do próximo que vier.

Apesar do sol, juntam-se às dezenas perto daquela que será, durante apenas mais alguns dias, a última agência bancária da vila. Estamos no Prior Velho, em Loures, a escassos metros da fronteira invisível com o concelho de Lisboa. Mas podíamos estar em Sacavém, em Alhandra ou em Cacilhas.

A notícia caiu como uma bomba: até 29 de junho, largas dezenas de balcões da Caixa Geral de Depósitos (CGD) fecharão portas para sempre, entre eles os de Sacavém e Prior Velho, o único sobrevivente após a debandada de todos os concorrentes. E o único com uma caixa Multibanco ainda a funcionar.

Foram as Finanças, a Segurança Social, depois os CTT e agora também o banco público. Por mais esforço que faça, a população da vila, sobretudo a mais idosa, não consegue compreender. Não admira, o raciocínio não é fácil. Sobretudo, quando os habitantes de Lisboa e Porto são empurrados para os concelhos da periferia, onde, paradoxalmente, os serviços públicos são cada vez menos. O sentimento geral é de estrangulamento. Lento, progressivo e doloroso…

Como explicar a um casal de idosos do Prior Velho que vai ter de passar ir à Caixa à Portela, pagando do seu bolso os bilhetes de autocarro para ir e vir? Bilhetes esses que, por sinal, estão cada vez mais caros.

Costa vai ter de explicar a esse eleitorado, que nele depositou, com o voto, a esperança de uma vida melhor que, apesar das rendas subirem em flecha e dos transportes serem cada vez menos e mais caros, os serviços públicos não estão melhores. E, em muitos casos, como no Prior Velho, pura e simplesmente, não estão.

"Não nos intrometemos na gestão da CGD", disse o primeiro-ministro, para despachar a coisa. O mesmo Costa que, apenas seis meses antes, abocanhava o anterior governo e defendia, com unhas e dentes, a revitalização do interior do país, criticando acerrimamente o encerramento de serviços públicos pelos que lhe antecederam.

“Relativamente ao interior — que hoje toda a gente diz que tem de estar no centro das prioridades — convém lembrar que ainda há muito pouco tempo, as decisões que eram tomadas eram do encerramento dos serviços”, apregoava, em janeiro, durante a cerimónia de apresentação de cinco carrinhas do Espaço Cidadão Móvel, que é suposto substituírem os serviços arrancados às populações.

Um novo interior, bem perto do litoral

Não sei bem o que é considerado oficialmente interior do país. Provavelmente haverá uma medida, em quilómetros, para definir se uma aldeia ou vila faz parte do litoral ou do interior, se é campo ou cidade.

Mas sei que muitas localidades no concelho de Loures, mesmo não sendo formalmente “do interior” são constituídas essencialmente por população rural, a maioria idosa, muitas vezes infoexcluída e sem meios financeiros para se deslocar com frequência ao banco, ao posto dos correios ou à Segurança Social, nas freguesias onde ainda ninguém se lembrou de as retirar.

Não menosprezando todas as dificuldades da interioridade – que são legítimas e amplamente conhecidas -, há um novo “interior” que sofre com o efeito de esmagamento e de aperto que o mercado imobiliário, por um lado, e a política de “racionalização de serviços públicos”, por outro, estão a ter nas suas populações. Como está agora na moda dizer, é demasiada a “pressão”.

E, antes que os arautos da “transformação digital” se apressem a apontar o dedo e a sublinhar os “efeitos colaterais inerentes”, importa referir que, em 2011, 41% dos portugueses nunca tinham utilizado a Internet e que, mesmo em 2016, Portugal era um dos países da União Europeia com maior percentagem de infoexcluídos (26%).

“O risco de exclusão digital para determinados grupos da população é particularmente elevado em Portugal”, alertou a Comissão Europeia no relatório de 2017 “Digital Economy and Society Index”.

Perante o cenário, Costa arrisca-se a deixar como legado um imenso “interior”, em parte povoado à força “pela pressão do mercado”, em parte sem vivalma, vagueando moribundo ao sabor do próximo que vier.

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