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"Vivo numa ilha, ou uma ilha vive em mim"

É de Manuel António Pina a citação retirada do livro "Os Piratas" (1986) mas podia ser de um morador ou ex-morador de uma "ilha" do Porto em 2018.

É de Manuel António Pina a citação retirada do livro "Os Piratas" (1986) mas podia ser de um morador ou ex-morador de uma "ilha" do Porto em 2018. Quem vive e quem viveu numa "ilha" mantém sempre um lugar de pertença e identidade, uma raiz que não desiste de habitar o seu pedaço singular do Porto.

Em 2015, um estudo da Universidade do Porto encomendado pela Câmara identificou 957 "ilhas". São mais de 8 mil casas, 3100 das quais estão desabitadas. Nas 4900 remanescentes, habitam 10 400 pessoas, 37% das quais com mais de 65 anos. A própria Relatora Especial da ONU para a Habitação Adequada considerou as condições de habitabilidade na maioria das "ilhas" contrárias aos padrões internacionais de direitos humanos, apresentando graves problemas de salubridade e acessibilidade. Mas nem por isso deixam as "ilhas" de ser alvo da especulação imobiliária, motivada pelo crescimento turístico sem regras ou limites.

Estamos em 2018. De lá para cá a situação de carência habitacional agravou-se no país e no Porto. A Lei dos Despejos de Assunção Cristas e a especulação imobiliária exacerbada pela ausência de regulação do turismo na cidade resultou num cenário de calamidade social, com uma onda de despejos a afetar milhares de famílias que não encontram soluções municipais de habitação.

Não haverá solução para as "ilhas" do Porto sem um robusto plano de investimento público, repartido pela Autarquia e pelo Governo. Precisamos de medidas concretas que permitam um adequado enquadramento legal a nível urbanístico para a inclusão desta tipologia como resposta habitacional, assegurando condições dignas de habitabilidade e preços reduzidos para moradores.

O Bloco convocou já Rui Moreira à Assembleia da República, tendo visto recusado sistematicamente o agendamento de um ponto sobre este tema na Assembleia Municipal do Porto. É, pois, com agrado que vemos Rui Moreira aderir a esta proposta e organizar agora uma iniciativa pública à volta da questão, como sempre defendemos ser necessário

Acreditamos que a solução para as "ilhas" é parte integrante da garantia do direito inalienável e constitucional à habitação digna. Não desistimos deste direito e assumimos o combate frontal à ganância imobiliária e à sede de negócio que, se o permitirmos, continuará a sacrificar as pessoas que vivem nas "ilhas" e as que ali podiam viver.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” de 10 de julho de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputada municipal e dirigente concelhia do Bloco de Esquerda do Porto
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