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Esquecimento é que não foi

O atraso na preparação do Orçamento, antecipado por este pacote laboral, é prova de que o Governo só tem uma meta, as eleições.

Não se pode dizer que a sondagem de ontem [18 de junho] seja um balde de água fria para o PS. Por uma razão simples, o aviso já tem barbas. O PS nunca esteve à beira de maioria absoluta em sondagens (e cuidado que são sondagens e a quinze meses de eleições) e tem vindo a perder terreno nas últimas consultas. A queda do PSD não foi estancada por Rui Rio, dado que o seu partido não descola dos valores historicamente desastrosos em que se encontra, mas nem isso deu a Costa o fôlego que os seus conselheiros lhe prometeram no congresso da Batalha.

Creio em todo o caso que foi por causa da sondagem que o primeiro-ministro escolheu fazer um discurso eleitoral na cerimónia da assinatura dos acordos de concertação social. Assim foi, e quem ouvisse a descrição das medidas ontem assinadas pensaria tratar-se de um menu de recuperação de emprego depois do abismo da precariedade. Costa escolheu explicar todas as alíneas que representam um ganho para os trabalhadores, e há algumas, como a redução de três para dois anos para as renovações dos contratos a prazo, ignorando o resto, que é aliás o que interessa aos signatários. Esse discurso é por isso uma contradição: no dito, promete medidas vantajosas para aqueles com quem se recusou a negociar, os sindicatos, e no não-dito, oferece medidas vantajosas para as associações patronais com quem negociou e que sabem o que ganharam.

Há nisto um engenho que deve ser interpretado. Ao assinar o pacote laboral precisamente na véspera da reunião em que começa a negociar o Orçamento com os seus parceiros, o Governo dá um sinal à esquerda, mas também ao seu próprio partido, pois acontece que o grupo parlamentar do PS está descontente com algumas das medidas e parece querer limitá-las, por exemplo no âmbito da extensão do período experimental (além de que o Tribunal Constitucional já venceu Vieira da Silva nesta matéria por um vez e se diz que o Presidente não está convencido). Se as deputadas e deputados do PS limitarem essa medida e tiverem maioria no parlamento, o Governo terá de voltar à concertação social e pedir aos patrões que acomodem a mudança. Não é o que convém nem a uns nem a outros: o patronato quer que a Concertação funcione como uma Câmara Corporativa que seja uma instância superior ao parlamento, que não teria recurso; o governo não quer mostrar que não domina a agenda e que assina compromissos fajutos.

Ora, esse é o problema do discurso de Costa na assinatura do pacote laboral. Ele promete uma coisa (reduzir a precariedade) e oferece outra (como a duplicação do período experimental e dos contratos verbais, uma invenção que merece Guiness). Cria um fosso à esquerda e perturba o seu eleitorado, mas acha que ganha o centro e o espaço abandonado pelo PSD e CDS, aliás maravilhados com este acordo. Mas, se quem lê estas linhas pensa que isto é sinal de oscilação do Governo, permita-me que lhe apresente o argumento contrário: é mesmo isto que o Governo pretende, um conflito com a esquerda.

As discussões entre o Governo e os partidos de esquerda revelam toda a tramoia. Depois de dois anos de trabalho em comissão com o Bloco de Esquerda, o Governo tinha uma lista de medidas concretas, bem estudadas, que sabia que mereciam acordo à esquerda. Pois incluiu algumas dessas medidas no que apresentou aos parceiros, mas esqueceu-se de os informar sobre alguns detalhes preciosos, exatamente as alterações fundamentais que tinham encantado as associações patronais. Explica um secretário de Estado, em entrevista da semana passada, que não foi por rasteira, foi porque se trata de assuntos de última hora. Não convence. Se o Governo invocasse aselhice, ainda alguém podia acreditar; mas esquecimento é que não foi. O Governo quis fazer um acordo com António Saraiva e quis que os partidos de esquerda ficassem chocados com a manobra de lhes ocultar uma parte fundamental das medidas. É uma bola ao centro, como se diria neste tempo de futebol.

O problema é que este é o segundo conflito em torno da concertação com as associações patronais. O primeiro foi a redução da TSU paga pelas empresas, para as compensar do aumento do salário mínimo. Foi derrotada no parlamento e substituída por uma proposta bem pensada, mas pouca gente se terá dado conta de que se tratou do único momento em que o Governo podia cair, dado que se tratava de uma violação explícita do acordo com o Bloco de Esquerda (“Não constará do programa do governo qualquer redução da TSU das entidades empregadoras”). E se o Governo violasse o acordo seria por uma única razão: provocar uma crise política.

Ao criar uma segunda crispação em torno da concertação social, o Governo demonstra várias evidências: a sua prioridade em 2018 é um acordo com Saraiva para entalar Rui Rio; o subterfúgio de esconder aos partidos de esquerda a proposta que levava à concertação tem um objetivo evidente; e o atraso na preparação do Orçamento, antecipado por este pacote laboral, é prova de que o Governo só tem uma meta, as eleições. Faz mal e não creio que ganhe nada com isso. A maioria dos eleitores gosta desta solução política porque ela cria coerência e não medo, porque toma medidas e não faz ameaças. Se o Governo demonstrasse estar a preparar meticulosamente o acordo para um bom orçamento, melhor andaria o país. E dá trabalho: temos a questão da escola pública, do serviço de saúde, da redução da precariedade, da regulação da energia, do investimento ambiental. Não é pouco. Não é cedo.

Artigo publicado em expresso.pt a 19 de junho de 2018

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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