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O que vai na cabeça de Trump?

Para Donald Trump, o mapa-mundo está centrado nos EUA e no Pacífico, o que atira a Europa para um papel secundário.

Donald Trump deixou pendurados os restantes líderes do G7, rejeitando assinar o comunicado final do último encontro. Ameaçou rasgar acordos de livre-comércio internacional que foram criados e promovidos durante décadas pelos EUA. Correu meio mundo para a apertar mão ao ditador norte-coreano, apresentando-o como novo BFF (best friend forever). Tudo isto é estranho e inesperado? Sim e não.

O mundo mudou. Pelo menos, o mundo em que Donald Trump manda, o que não é coisa pouca. Perante esta mudança, a confusão tem sido generalizada, justificando uma análise mais profunda do que a nova realidade nos traz.

Pensemos na nossa imagem do mundo. Aquele mapa-mundo que nos perseguia na escola e nos mostrava a Europa no centro de tudo. A Europa e o Atlântico, centrais, dominavam a imagem. Essa ideia, claramente, está longe do pensamento norte-americano. Para Donald Trump, o mapa-mundo está centrado nos EUA e no Pacífico, o que atira a Europa para um papel secundário.

A perda da centralidade europeia estava já em curso, mas a crise económica da última década colocou-a em fast forward. A política de austeridade, o sacrifício dos povos para salvar os bancos e o sistema financeiro, as crises políticas e o ascenso da extrema-direita explicam como a Europa se atirou para um beco sem saída e ficou para trás. O desprezo com que Trump lida com os líderes europeus é disso consequência.

Quando, à saída da reunião do G7, o presidente francês, Emmanuel Macron, brincou dizendo que o G7 poderia passar a um G6, aludiu à ideia de os EUA deixarem de se sentar àquela mesa. Contudo, essa é a ameaça com que Trump dorme melhor, dado que não há escolhas de fundo para o capitalismo sem que o seu centro lhes dê a bênção. Além disso, e mais importante, Trump quer mesmo acabar com políticas multilaterais.

A nova fase das relações comerciais internacionais norte-americanas será marcada pelos acordos bilaterais. Trump quer aplicar no comércio internacional a velha máxima "dividir para reinar", negociando acordos com cada país. A algumas pessoas isso parece querer dizer que a ideia é acabar com o livre-comércio, o que é um completo absurdo. Trump é um capitalista, não pretende atacar ou destruir o capitalismo. O objetivo é reforçar a centralidade dos EUA nos fluxos de capitais internacionais e responder ao défice comercial norte-americano. A consequência é entrarmos numa nova fase do imperialismo.

Vários líderes mundiais estão em pânico, mas não por bons motivos. Habituados a seguir a música que os EUA tocavam, ficam agora sem saber o que fazer perante a aparente rejeição de Trump em assumir a batuta da liderança política mundial. Mas, novamente, a perspetiva de Trump é outra: considera que a liderança se conquista pelo poder económico, pela submissão da concorrência. Os aliados foram transformados em concorrentes e, já se sabe, "America first".

Um dos golpes de Trump foi aproveitar-se de uma das características do capitalismo: a ganância. Reduziu os impostos para a elite económica, o que agradou muito a Wall Street, mas também serviu para seduzir outros interesses económicos. Que o diga Angela Merkel: poucos minutos depois de afirmar que as companhias alemãs iriam manter-se no Irão, viu os empresários alemães fazerem exatamente o contrário, seguindo a ordem de Trump, seduzidos pela redução de impostos.

As desigualdades sociais irão aumentar com esta política fiscal, mas isso não é uma preocupação para Trump. De imediato deu ordem para aumentar a velocidade das rotativas de impressão de dólares para evitar grandes cortes nos programas sociais e estancar a contestação pública. O resultado será o aumento do défice e a fatura chegará mais adiante, mas a aposta é que chegue apenas depois das próximas eleições presidenciais.

A mesma visão eleitoralista de curto prazo ajuda a explicar a cimeira com a Coreia do Norte. O anúncio feito por Trump fazia parte do sonho americano desde Bill Clinton, há mais de 25 anos. Trump dirá que teve sucesso onde os anteriores presidentes fracassaram, mesmo que não tenha nada para mostrar.

O acordo para a desnuclearização da Península Coreana é um vazio de intenções, assinado pelas mesmas pessoas que há alguns meses ameaçavam com uma guerra nuclear. Pouco mais é do que um concurso de penteados, não é para ser levado a sério. Trump não conta com a desnuclearização da península, parte é do pressuposto de que o programa nuclear norte-coreano já está concluído e não precisa de mais testes. Espera que o tempo passe sem mais, para que a farsa só seja desmascarada depois das eleições presidenciais norte-americanas.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 14 de junho de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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