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Cidades despejadas
No Porto como em Lisboa, milhares de pessoas estão a ser despejadas das suas casas. Prédios inteiros são comprados por fundos de investimento que pouco querem saber da idade, condição social ou até mesmo dos contratos dos inquilinos. A lei facilita - basta alegar obras profundas no prédio - e a má-fé ajuda. Somam-se os casos de inquilinos idosos que, por medo e desconhecimento, assinaram novos contratos sem proteção.
Arrendar ou comprar casa tornou-se um luxo insuportável, com preços a atingirem valores absurdos (8000€/m2 no centro de Lisboa). As casas não são para morar, são para especular com máximo retorno: alojamento local ou imóveis de luxo para férias.
A situação piora a cada dia e nem Rui Moreira, nem Fernando Medina ou o Governo parecem ter pressa em travar a vaga que expulsa os portuenses e os lisboetas das suas cidades. Pelo contrário, as políticas públicas do Governo de Cristas e Passos continuam a promover a especulação.
A tempestade é perfeita e ninguém assume responsabilidades. Começou com a liberalização do mercado de arrendamento em 2006 e aprofundada por Cristas. Continuou com a liberalização selvagem do Alojamento Local, sem limites nem quotas, com taxas de impostos mais baixas face ao arrendamento de longa duração e sem distinção entre verdadeiro alojamento local e empreendimentos turísticos. Foi coroado com os regimes dos vistos gold, vistos de residência em troca da compra de casas a partir de meio milhão de euros, e dos residentes não habituais (enormes benefícios de IRS). O incentivo à loucura foi total. Mecanismos de proteção, zero.
Há quem ainda diga que esta "dinâmica" do mercado imobiliário faz bem ao país. Contos de fadas de quem quer confundir o interesse do país com os lucros de poucos especuladores. Nessas contas nunca entram os custos de cidades desertas de habitantes, gentrificadas, onde só os ricos e os turistas podem instalar-se. Cidades-montra, sem cultura própria e dependentes dos mercados internacionais.
É verdade, há novas leis em discussão para a habitação e para o Alojamento Local. Mas com a Direita não se conta - PSD e CDS defendem o mercado especulativo que criaram. O PS está temeroso - quer mudar um pouco mas não o essencial, nada precipitado, nada radical, nada que espante "investidores". E resta ainda saber se chegará a tempo de travar a onda de despejos (dúvida que acelera a ação dos fundos imobiliários).
A situação é de emergência social e as respostas têm de estar à altura. Até haver novas leis, é preciso suspender os despejos.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 12 de junho de 2018
Comments
É pena que o artigo seja de
É pena que o artigo seja de uma tremenda injustiça social, promovendo a diabolização dos direitos de uns para promover os direitos dos outros. Claro que é necessário proteger os mais idosos, quem tem dificuldades económicas ou outros tipo de limitação no acesso à habitação. Mas, em vez de Mariana Mortágua frisar a responsabilidade do estado, prefere responsabilizar outros cidadãos que viram no turismo uma oportunidade para criar o seu emprego, sustentar a sua família, não perder a sua casa, não ser obrigados a emigrar, etc.
É triste que não haja uma única referência aos numerosos alojamento locais a operar de forma ilegal, nem à fiscalização que o estado não faz; que não se fale de uma única medida para promover o arrendamento, beneficiando quer senhorios, quer inquilinos (muitos senhorios não querem fazer arrendamento porque têm receio dos incumprimentos no pagamento das rendas, dos estragos provocados pelos inquilinos, da instabilidade legislativa, etc.); que não se responsabilize o estado pelo investimento na oferta pública de habitação, que em Portugal é de 2% enquanto a média na Europa é de 12%, chegando a 20% e 30% nalguns países.
Portanto, assim não, cara Mariana Mortágua! O direito à habitação é responsabilidade do estado. Após mais de 100 anos de rendas congeladas, que sentido faz obrigar os senhorios a ter ainda mais o papel que cabe à solidariedade social (e muitos ainda a isso são obrigados)?
Gostaria de lembrar a
Gostaria de lembrar a oportunidade de voltar ao imposto sobre as doações e sucessões, abolido pelo Paulo Portas. Quem herda uma casa tem uma vantagem competitiva sobre os outros que deve ser pelo menos minorada. O rendimento dessa taxa poderia ser atribuído à construção e aquisição de residências no centro das cidades com alugueres de valor controlado, regulando assim o mercado. Todos os liberais que são pela igualdade das chances têm de concordar com esta medida. Lembro que no Reino Unido essa taxa é de 40% sobre o valor da herança, ressalvado um mínimo acho que do equivalente a cerca de 350 mil euros. Quem quiser ficar com a casa do Papá poderá fazer um empréstimo ao banco para pagar o imposto, como os outros fazem para comprar apartamento.
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