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“Este que aqui está não sou eu”

O que ninguém estava à espera é que Manuel Heitor investigador fosse criticar a governação de Manuel Heitor ministro.

Um conjunto de cientistas decidiu lançar o “Manifesto Ciência Portugal 2018”. Em apenas quatro dias, reuniu mais de quatro mil assinaturas. A par da enorme repercussão que teve na comunidade científica, algo de particularmente estranho aconteceu: o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Manuel Heitor decidiu subscrever este documento crítico da política da área que tutela.

Seria obviamente arrogante por parte do ministério não tomar uma posição pública em relação ao tão elevado clamor do setor; agora, o que ninguém estava à espera é que Manuel Heitor investigador do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa fosse criticar a governação de Manuel Heitor ministro. Para além de caricato, o gesto é revelador da desorientação do Palácio das Laranjeiras e da inexistência de uma linha estratégica para o setor.

Sejamos claros e diretos. Os últimos dois anos e meio de governação na área da Ciência têm sido uma desilusão. A título de exemplo, num exercício de memória coletiva, regressemos ao ano de 2016, altura em que a FCT viu metade das suas verbas cativadas pelo Ministério das Finanças. Ou a 2017, data em que centenas de investigadores deram entrada com candidaturas individuais para financiamento de projetos e, até à data, não obtiveram qualquer resposta. Passaram mais de 365 dias e o presidente da Fundação Paulo Ferrão perde-se em promessas públicas, garantindo ad nauseum que “para a semana é que é”.

O ministro, na pressa de lavar a cara, vendeu barata a resignação política, desautorizando o seu próprio papel – o de principal responsável pelo atual estado de coisas. A tática que, atualmente, conduz a política de comunicação deste ministério é espelho da (falta de) força de Manuel Heitor junto dos seus colegas de Governo e, nomeadamente, de Mário Centeno. Nem a preço de saldo se compra a ideia da vitimização. “Este que aqui está não sou eu” foi mesmo o que Manuel Heitor decidiu comunicar ao país. Ou, dito de outra forma, a cadeira de ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior da República Portuguesa está vazia.

Artigo publicado no “Público em 28 de maio de 2018

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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