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Ensino Superior, mais vagas no interior, menos em Lisboa e Porto – Demagogia e falta de senso

Não havendo o desejado aumento de estudantes no interior cria-se maior dificuldade no acesso aos estudantes das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Passando um pouco desapercebido entre questão tão relevantes como as do futebol, o governo anunciou uma alteração na distribuição de vagas no Ensino Superior. Trata-se de diminuir as vagas em Lisboa e Porto e aumentá-las em Universidades e Politécnicos do Interior (um conceito bastante vago em Portugal). Apresentam, como de costume uma barreira de estudos e estatísticas feitas à medida para justificar a medida, mas vale a pena ver o que realmente interessa: a realidade do acesso à universidade.

É importante não esquecer que depois dos incêndios de 2017 se levantou toda uma campanha “pró-interior”, muitas vezes vinda dos mesmos que fecharam serviços (escolas, centros de saúde …) e que contribuíram para a desertificação do interior. Esta é mais um das medidas de “discriminação positiva”, mas vejamos o que representa na realidade.

Em primeiro lugar, já que se pretende abrir mais vagas no interior, vejamos o que aconteceu com as vagas (e dei-me ao trabalho de verificar escola a escola, curso a curso) que abriram o ano passado em universidades e politécnicos do interior (que manteve a situação de anos anteriores). O que se verifica é que tirando na Universidade de Évora (não consideraria Braga, muito menos Aveiro ou Faro, como sendo interior) houve em 2017 muitas vagas por preencher. Houve cursos que não chegaram a abrir, outros com números de colocados muito baixos. Foram poucos (a forma como as estatísticas estão publicadas torna difícil a análise) os que preencheram todas as vagas. Pelo contrário, em Lisboa, Porto e Coimbra foram raros os cursos que não preencheram todas as vagas, uma boa parte destes cursos deixaram muitos candidatos à porta, o que é patente nas médias elevadas de acesso que não são exclusivas de medicina e afins. Um dado curioso é que é em Lisboa e Porto que há menos (cerca de 12%) alunos do ensino secundário profissional a frequentar o ensino superior.

Temos assim uma medida que não parece fazer sentido. Aumentam-se as vagas no interior onde não faziam falta, porque as existentes não eram preenchidas, diminuem-se onde de facto fazem falta, em Lisboa e Porto (não se fazendo referência a Coimbra). Não se vai produzir o efeito pretendido, ter mais estudantes no interior, mas produzem-se outros efeitos. Estes são graves e contrários à necessidade geralmente reconhecida de aumentar o número de diplomados no ensino superior. Não havendo o desejado aumento de estudantes no interior cria-se maior dificuldade no acesso aos estudantes das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Se alguns destes tiverem que se deslocar, isso será feito à custa das famílias, sabemos como é ineficaz a ação social, aumentando mais as dificuldades de acesso ao ensino superior. Menos estudantes no superior, mais dificuldades para as famílias de rendimentos baixos ou médios das grandes cidades, são estes os efeitos desta medida.

Em vez destas novas medidas de (falsa) discriminação positiva seria possível e até desejável criar situações que pudessem levar as pessoas a optar pelo interior. Isenção de propinas, ou apoio especial para os que optem por estudar no interior. Seria importante garantir uma melhor qualidade das instituições, já que a falta de confiança em muitas delas também não lhes permite ganhar mais estudantes.

Também se perdeu uma oportunidade de acabar com um sistema de acesso à universidade aberrante e arcaico que apareceu como recurso em 1977 (já passou dos 40 anos). Noutros países europeus, e até nos Estados Unidos, são as próprias Universidades a recrutar os seus alunos, pelos seus próprios critérios. As marcas desta medida são a demagogia e o populismo (porque se cria a ilusão de apoiar o interior) são, mais uma de um sector em que este governo tem falhado redondamente.

Dentro de dias quando começar o grande carrossel do acesso ao ensino superior para este ano vai-se perceber a profundidade da medida, mas desde já percebemos que não é para bem nem do interior, nem do ensino superior, muito menos da garantia da igualdade no seu acesso.

Sobre o/a autor(a)

Investigador de CIES/IUL
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