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Leve pó de arroz

Se tiver que prestar depoimento perante um magistrado, há alguns conselhos úteis que não deve ignorar.

É divórcio, é multa de estrada, é crime de colarinho branco, é roubo, é facada, não é nada, é coisa miúda ou graúda, em todos os casos deve tomar algumas precauções. Leve a sua advogada, em primeiro lugar: é útil e é de lei. Depois, não esquecer a maquilhagem e talvez mesmo cuidar do penteado, a filmagem a partir de cima, que institui uma representação de modéstia, tem esse defeito de revelar a permanente. Se se tiver esquecido, um pouco de pó-de-arroz faz maravilhas, tira os brilhos e permite um aspeto saudável e até descontraído. Está pronto? Pode entrar, o senhor magistrado vai ouvir o seu depoimento.

Mais um detalhe: leve também o agente artístico ou pelo menos o representante da agência de comunicação. Para o efeito que interessa, a advogada de pouco serve, ela ocupar-se-á de leis e detalhes aborrecidos, a lei é uma pasmaceira, mas a fama, o dinheirinho, o essencial da essência, isso é com o agente. É ele que vai negociar os direitos de imagem e em que dia e em que canal é que as filmagens serão transmitidas. Em TV-Justiça nem tudo é em direto, bem sabe, os programas mais vistos são até os que têm montagem, rapidez, gráficos, esgares, gritos bem escolhidos e não só aquela modorra de longa conversa que, com franqueza, é péssima para as audiências. Se o seu agente for esperto, e a comissão ajuda, negociará um prime-time, assim uma hora do jantar, criancinhas à mesa. Os direitos serão mais confortáveis e todos ficam a ganhar. É verdade que o Código do Processo Penal ainda não foi alterado para incluir esta justiça-entretenimento, mas a jurisprudência da vida vai sempre à frente do que os coitados dos políticos conseguem imaginar, não é assim?

Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 30 de abril de 2018

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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