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A passadeira vermelha

Há uma vincada herança industrial que marca a irregular e heterogénea paisagem do concelho de Loures. Mas até a mais vincada das tradições tem de acompanhar a evolução dos tempos.

Há uma vincada herança industrial que marca a irregular e heterogénea paisagem do concelho de Loures. É quase uma tradição que ainda hoje se mantém e tem vindo a prolongar-se no tempo. Foi graças à instalação de fábricas e indústrias várias que se criaram muitos dos bairros que hoje constituem diversas freguesias deste concelho às portas de Lisboa. E foi graças a muitos desses bairros que nasceram escolas, centros de saúde, estradas, lojas e serviços públicos adjacentes, como as Finanças ou os CTT.

Mas até a mais vincada das tradições tem de acompanhar a evolução dos tempos. E, nesse aspeto em particular, o concelho de Loures está parado no tempo e tem muito que aprender. Que o digam os seus munícipes.

Basta olhar para outros concelhos encostados à capital para ver como a implementação de novas indústrias, muitas delas ligadas às novas tecnologias, tem contribuído, de fato, para a melhoria das condições de vida de quem vive e trabalha naquelas áreas geográficas.

Tudo depende da atitude de quem negoceia com quem pretende instalar-se no concelho, ou seja, da Câmara Municipal e dos seus responsáveis. Enquanto noutros concelhos da mesma área metropolitana se criam parques empresariais modernos e com condições que respeitam trabalhadores e moradores, em Loures, a prática é estender a passadeira vermelha sem “dar cavaco” à população.

Uma coleção de maus exemplos

Os exemplos são vários e expandem-se um pouco por todo o território. Podia referir a freguesia de Camarate, onde a população de vários bairros, com especial destaque para o Bairro de S. Francisco, tem de conviver diariamente com situações de ruído, poluição e ameaças à saúde pública, provocadas por grandes empresas do setor da construção e da logística, casos da Alves Ribeiro e da Repunmar.

São muitos e gravosos os problemas que os fregueses deste bairro enfrentam, desde os de saúde, ao fato de “estarem proibidos” de abrir uma janela, que logo têm as poeiras negras a entrarem em suas casas, e ainda a insegurança de quem vive paredes meias com autenticas torres de contentores empilhados.

Podia citar também o caso da freguesia de São João da Talha, Santa Iria da Azóia e Bobadela, onde há bairros colados a lavandarias industriais. A população do Bairro da Esperança, em São João da Talha, é um desses casos e queixa-se, já desde 2011, de vários problemas relacionados com ruído, poluição atmosférica e ameaças à saúde pública com origem na lavandaria industrial Lavapor – Lavandarias de Portugal, S.A., localizada a menos de 10 metros dos limites das habitações daquele bairro.

Esta lavandaria industrial, que se deslocou de Frielas para São João da Talha em 2011, tem sido acusada de laborar fora do horário permitido por lei, inclusive à noite, provocando ruído prejudicial ao descanso dos moradores. Por outro lado, das chaminés da lavandaria são expelidos pedaços de cotão, provavelmente provenientes dos lençóis hospitalares ali lavados, que inundam os quintais e as casas em redor.

Além do ruído e da poluição que a referida lavandaria provoca, casos houve já de lençóis e outro material hospitalar encontrados nos esgotos. Completamente surreal!

Fraco com os fortes

A máxima, infelizmente, tem sido a de defender os fortes e deixar cair os fracos. Basta dizer que uma dessas empresas - a Repunmar - atualmente em litígio com a Câmara Municipal de Loures, foi convidada pela mesma entidade com quem mantém o diferendo a integrar o pomposo lote de parceiros fundadores da nova AICE - Associação para a Inovação e Capacitação Empresarial de Loures -, uma nova entidade criada pela autarquia para promover a inovação empresarial no concelho.

Haverá inovação sem respeito pelo ambiente e pelas populações? Para alguns, parece que sim. O exemplo repete-se a montante e a jusante. Os munícipes, que é como quem diz, os eleitores, esses, raramente são tidos ou achados.

Estão previstos, para este ano ou para os seguintes, alguns investimentos de monta no concelho. Alguns, aqueles impossíveis de esconder durante muito tempo, lá vão sendo tema de consulta popular numa ou noutra freguesia. Outros, como a gigantesca superfície comercial (6.700 m2) prevista para a freguesia de Portela e Moscavide, ou o enorme parque de estacionamento para autocarros projetado para Camarate, esses ficam no segredo dos deuses até não ser mais possível escondê-los.

“O desígnio sagrado do desenvolvimento do concelho seja a que preço for não pode ser posto em causa pela teimosia das populações”, parece ser o “leitmotiv” da autarquia. “Mal-agradecidos estes inimigos do progresso que teimam em querer ter opinião”, será a corrente de pensamento dominante.

Há duas grandes formas de desenvolver um concelho e colocá-lo no rumo do desenvolvimento. Há aquela que ouve, escuta, respeita o ambiente, o ecossistema envolvente e o património das várias freguesias do concelho. É mais exigente, é um facto, aborrece os senhores empreendedores, talvez. E até pode fazer com que alguns investimentos, no limite, sejam desviados para outros concelhos, admitamos.

Depois, há o método atual, que não respeita nada nem ninguém, em nome de mais uns poucos milhares de euros em impostos e licenças. Aquele que convida ao atropelamento da lei, das normas ambientais mais elementares e do património e estrutura histórica das localidades. Este último, o que faz tábua rasa da vontade das populações, é mais cómodo, mais rápido e muito mais simples.

E é esta estratégia, surda e inflexível, que está a afastar o concelho de Loures cada vez mais dos seus congéneres realmente desenvolvidos, aqueles que apostam na sustentabilidade, no respeito pelo meio envolvente e pela vontade popular. Esta linha deixa marcas, algumas mais visíveis a curto prazo, outras que só se farão sentir com o avanço dos tempos. Mas, todas elas serão o testemunho vivo de uma época e de uma determinada forma de decidir. Mas, nessa altura, os protagonistas já serão outros…

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Jornalista
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