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Os golpistas não terão a última palavra

O mandado de prisão de Lula surge na sequência de uma reunião do Supremo Tribunal que foi precedida por uma ameaça velada de golpe militar, feita pelo responsável máximo do Exército.

A sequência de acontecimentos é macabra, e é já difícil retomar o fio da história. Começou com o golpe e com a destituição da Presidenta eleita, para substituí-la por um gang de corruptos. Depois, instalou-se uma imparável espiral de regressão social e autoritarismo político, de violência contra os pobres, os negros as mulheres. Menos democracia, menos justiça social, mais corrupção. Um ataque sistemático aos direitos humanos, militarização de zonas das cidades brasileiras. Ataques de milícias fascistas aos partidos de esquerda. Assassinatos políticos como o de Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Agora, como parte da farsa obscena montada pelas elites políticas servindo-se do poder judicial, a perseguição a Lula, o candidato preferido de todas as sondagens, que ameaçou interromper o golpe através do voto popular.

O mandado de prisão de Lula, depois de um polémico julgamento onde não houve provas mas abundaram irregularidades, surge na sequência de uma reunião do Supremo Tribunal que foi precedida por uma ameaça velada de golpe militar, feita pelo responsável máximo do Exército. O objetivo é claro: instalar o medo e evitar que Lula participe nas eleições que provavelmente ganharia.

Lula tem alguma responsabilidade naquilo de que o acusam? Não sei eu nem sabe ninguém, porque até agora não houve nenhuma prova material apresentada. E é por isso que esta operação judicial escancarada é um ato político e não é isolado. É um gesto de vingança contra um país onde os pobres, os negros, as mulheres, as favelados, os gays, os trans, os que nunca tiveram nada, tinham começado (e apenas começado) a falar, a existir, a olhar de igual para a igual.

Não se trata, no momento, de saber o que cada um pensa dos mandatos do PT, das alianças espúrias que fez com os representantes de interesses poderosos (dos patrões do agronegócio aos evangélicos conservadores), dos tiros no pé que deu, dos esquemas que alimentou. Neste momento, a etapa é outra e é nova. Há no Brasil um neofascismo com expressão popular, que faz do anti-petismo o seu mantra, tem as suas redes de comunicação, os seus candidatos, os seus militares, as suas milícias, que não se inibe de recorrer à violência política pura e dura, que tem saudades da ditadura militar – e que tem feito os seus mortos. Contra ele, há um campo que se organiza para resistir ao duríssimo golpe que foi ontem dado contra a democracia, contra a Constituição, contra as vozes que podem pôr em causa o sinistro processo iniciado com o impeachment. Nesse campo, cabem muitos, mais críticos ou menos críticos do ex-presidente. Cabem, na verdade, todos os democratas.

Tenho no Brasil alguns amigos. Um deles, de quem me sinto próximo como um irmão à distância, depois do choque e da tristeza com o novo golpe de ontem, dizia hoje sentir em si “uma certa alegria”. Porquê? É que hoje já foi dia de luta. “Hoje não vamos aceitar calados. Hoje já não jogaremos mais o jogo imposto pelo inimigo. Hoje, quem sabe, começa um novo dia”. Oxalá que comece, Julian. Há um Brasil imenso de dignidade e de justiça que se ergue e que, neste momento, já está na rua. Há um Brasil imenso que sabe que os golpistas não têm, não terão, a última palavra. É com esse Brasil que, cá e lá, está a minha cabeça e o meu coração.

Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 6 de abril de 2018

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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