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Há futuro nesta União Europeia?
Num recente debate no Parlamento Europeu, o primeiro-ministro António Costa disse, entre outras coisas, que “ser europeu é pertencer a um sistema comum de valores: a paz, a defesa incondicional da democracia, o primado do Estado de direito, a liberdade, igualdade, dignidade da pessoa humana, a solidariedade”.
Sem contexto, se fosse apenas uma frase feita ou uma mera declaração de intenções talvez quase toda a gente conseguisse concordar, mais ou menos. Mas como tudo tem um contexto na vida, e ainda mais na política, esta declaração acaba por cair bastante fora da realidade.
Se em algum momento da construção deste projeto europeu se quis pensar isso, as ideias e os valores que realmente regem as instituições europeias são muito diferentes.
A paz é, hoje, um artifício para justificar uma deriva militarista. É isso mesmo a que assistimos com o projeto da Cooperação Estruturada Permanente. Utilizar as armas para responder às fragilidades políticas que abriram caminho aos populismos é uma escolha perigosa, cujos únicos beneficiados são os bolsos da grande indústria de armamento.
Sobre a defesa da democracia, assistimos a uma caricatura cada vez maior. Ninguém pode ignorar o crescimento real de forças de direita e reacionárias no poder e nos parlamentos nacionais, como seja na Polónia, Áustria ou Hungria, e mais recentemente em Itália.
Nem tão pouco o valor da democracia pode valer apenas para as próprias fronteiras: teimar em manter acordos com o regime da Turquia de Erdogan continua a ser uma óbvia negação do valor da democracia para todos.
Mas também sobre a defesa do primado do Estado de direito só pode ser uma ironia. Veja-se que até a Comissão Europeia está preocupada com a deterioração do primado de direito, nomeadamente no caso da Polónia.
Mas olhemos também para o que se tem passado ao longo dos últimos meses no estado espanhol, em que se acentua uma política de estado para negar direitos fundamentais como a liberdade de expressão ou se mantêm deputados eleitos presos, como é o caso da Catalunha.
Como é facilmente percetível, os supostos valores basilares deste projeto europeu caem por terra, um a um, sem grande dificuldade. No meio de um debate intenso (embora quiçá algo hipócrita em muitos casos) sobre o futuro da União Europeia, percebemos, à esquerda, que esse futuro está cada vez mais ameaçado.
E não é com a proliferação de alianças entre supostos sociais democratas e ultraconservadores que qualquer projeto político que tenha os povos em primeiro lugar pode ser pensado. O futuro de qualquer projeto europeu tem que ter à esquerda um polo forte, com ideias muito claras sobre o modelo de sociedade que quer e sobre o combate à xenofobia, ao conservadorismo e à austeridade.
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Não consigo admitir o
Não consigo admitir o "Portugal independente". Já não há "independência", sobretudo diante da tecnologia na mão das multinacionais da saúde, por exemplo, diante das quais lamentavelmente nenhum governo europeu aguenta mais de 15 dias. Isto para não falar das finanças, a mais dramática e envenenada armadilha. Sou um europeu, e mesmo um internacionalista convicto, desde que desertei do exército português para não fazer a guerra em África. Mas admito que as minhas reservas e dúvidas em relação a esta UE aumentam dia a dia. Não em relação à cultura e à vida, vejo amigos e familiares que tenho por toda a Europa cada vez mais próximos, mas em relação à economia e política. O que é uma contradição. Por isso acho que a solução é mais Europa imediatamente. Ou então partir de novo e ir procurar um lugar onde ainda seja possível ser de esquerda. Ficar aqui a discutir com estas elites é que me parece uma total perda de tempo.
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