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Portugal também precisa de uma greve de mulheres

Entre 2011 e 2016, fomos o país da União Europeia em que o fosso salarial mais cresceu entre homens e mulheres.

No passado dia 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, por todo o mundo replicaram-se manifestações, de diferentes dimensões, que voltam a provar, ano após ano, a necessidade de assinalar um marco na história da emancipação das mulheres. Mas mais do que isso, trata-se de ganhar balanço para continuar a luta.

De todas as manifestações, não podemos deixar de salientar a luta das mulheres em Espanha. O movimento feminista aliou-se a vários sindicatos para convocar uma greve de mulheres, de duas horas, que contou com a adesão de mais de cinco milhões de pessoas. Não é coisa pouca!

O passo tomado em Espanha é fulcral: o movimento feminista que precisamos tem que responder à grande massa de trabalhadoras, precárias e discriminadas todos os dias no local de trabalho, mas também quando saem dele, na rua ou na família.

Em Portugal as razões para uma greve de mulheres são gritantes. As mulheres ganham menos 16,7% do que os homens. É como se deixassem de trabalhar todos os anos a partir do mês de novembro ou trabalhassem de graça dois meses por ano. Entre 2011 e 2016, fomos o país da União Europeia em que o fosso salarial mais cresceu entre homens e mulheres. As mulheres com mais de 65 anos ganham menos 43,5% do que os homens. Continuam a ser as mais vulneráveis à pobreza e à exclusão social.

Num mercado de trabalho em que 67,4% das mulheres trabalha a tempo inteiro (face a 74,2% dos homens) continuam a verificar-se desigualdades e discriminação no acesso ao emprego e especialmente no acesso a cargos de chefia e liderança, no setor privado ou no Estado. Nas entrevistas de emprego ainda se pergunta às mulheres sobre filhos ou futuros filhos, mas aos homens não.

Muitas mais razões existem, da participação e representação política, da subalternização das mulheres que são mais qualificadas à partilha das responsabilidades domésticas e com os filhos, ou do assédio e violação à violência doméstica e no namoro.

Não compreender que todas estas desigualdades, discriminações e violências se entrecruzam e se fortalecem numa teia que oprime, menoriza e humilha as mulheres, é não perceber o sistema patriarcal.

Regina Marques, da direção do Movimento Democrático das Mulheres (MDM), considerou a greve espanhola um “show-off” e afirmou que “em Portugal não existem ainda razões para uma greve de mulheres”. Segundo Regina Marques, em Portugal “só metade das mulheres é que são trabalhadoras e têm de fazer greve por razões laborais e não por outras questões". Não tem razão, como é óbvio demais. O mesmo dirão, a favor dessa greve feminista, tantas trabalhadoras, desempregadas, precárias, reformadas ou imigrantes.

É altura de dar um passo maior e articular lutas. Precisamos de aprender com mobilizações como a da greve de mulheres em Espanha. O desafio é construir em Portugal esse espaço de diálogo e juntar forças. E é preciso que os sindicatos partilhem essa visão, em vez de serem desencorajados a fazê-lo.


Artigo publicado no Público a 15 de março de 2018.

Sobre o/a autor(a)

Feminista e ativista. Socióloga.
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