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À patrão

A elite económica só pensa em livrar-se da assombração da esquerda e aposta as fichas numa maioria absoluta do PS.

Em outubro será votado o último orçamento do Estado desta legislatura. Os próximos meses serão de intensa luta política e social, concentrada sobre dois pontos: o resgate dos serviços públicos e o descongelamento da legislação laboral.

Ao longo da legislatura, o PS chumbou no parlamento as principais propostas da esquerda naquelas duas áreas, formando um centro de bloqueio apoiado na direita. Com a mudança de liderança no PSD, a sina subalterna da direita não mudou: o PS conta com ela para impedir maiores avanços (leis laborais), mas a direita não conta com o PS para novos retrocessos (segurança social).

Neste papel sobrante, o PSD não é alternativa de governo. A sua máxima aspiração é, em próximas eleições, melhorar a posição negocial face ao Partido Socialista num eventual apoio parlamentar. Ferreira Leite explicou-o sem matizes - o PSD deve “vender a alma ao diabo” para afastar Bloco e PCP. Mas acabou por expor o óbvio: ninguém votará no PSD com a única motivação de tirar os partidos de esquerda de posições de influência. O único voto que dá mesmo essa garantia é o voto numa maioria absoluta do PS.

Aliás, a linha da maioria absoluta tem vingado, nas últimas semanas, nas várias entrevistas de crónicos porta-vozes patronais. Nenhum perde tempo com o “novo PSD”. Diz Francisco Van Zeller, ex-presidente da CIP: “Não conheço Rui Rio de lado nenhum. Se eu fosse do PSD, ficaria um bocado aflito” (Negócios, 2 de março). O dono do Pingo Doce, Pedro Soares dos Santos, também encolhe os ombros: “O Dr. Rui Rio para mim ainda é um desconhecido” (Público, 12 de março).

A grande questão é a lei laboral. “Estamos contra qualquer retorno ao pré-troika”, sintetiza António Saraiva. Van Zeller está confiante: “Nas leis do trabalho, António Costa não se deixou embalar pelas esquerdices do Bloco”. Outro ex-presidente da CIP, Ferraz da Costa, formula os seus desejos: “o governo e o PS já deram sinais de que não acham aceitável ceder mais aos sindicatos do PC e admito que seja por isso que as coisas rebentem [com eleições antecipadas]” (i, 18 de fevereiro). Saraiva quer conter perdas: “o que está no programa do Governo não é todo este conjunto de medidas que a esquerda quer revistas, mas apenas duas: o [fim do] banco de horas individual e a penalização dos contratos a termo” (Público, 28 dezembro).

António Costa, génio mal acompanhado. “Mostraram-se muito espantados com a minha admiração pelo António Costa”, conta o dono do Pingo Doce. “Ele tem a capacidade de negociação, construção de consensos, talvez única em Portugal neste momento”. Acrescenta Van Zeller: “Pelo que conheço de grandes socialistas com capacidade governativa que já existem neste instante, comandados pelo Costa, é muito possível que [depois das próximas eleições] fizessem um bom governo”. Os governos do PS “sempre foram melhores para os empresários”.

Objetivo: afastar a esquerda. António Saraiva: defendemos “que a legislatura dure até ao fim - e que o PS se consiga libertar (tem estado muito refém da esquerda)”. Para Van Zeller, “se Costa tiver a maioria absoluta, despeja rapidamente o Bloco de Esquerda e o PCP, joga sozinho e vai buscar os seus valores intrínsecos ao PS”. Saraiva concorda: “se fizer o que tem que ser feito, o PS tem condições únicas para num futuro próximo depender menos dos dois partidos de esquerda”. Soares dos Santos: “O Bloco de Esquerda e o PCP só atrapalham, porque acham que o Estado deve tomar conta de nós como pessoas. (...) Preferia ver António Costa com aqueles que acreditem que o país tem de sofrer reformas estruturais”.

A falência da direita é hoje tão profunda que os mais reacionários dos patrões se tornam quase-sectários “socialistas”... Mas este apoio tem uma pequena contrapartida: o governo deve manter as leis laborais da troika e prenunciar assim o regresso à velha alternância, o ocaso da geringonça, em nome da bênção patronal a uma maioria absoluta do PS.

Veremos nos próximos meses, sob intensa luta política e social, se o PS escolhe recuperar direitos ou governar à patrão. O Bloco não desiste da recuperação da contratação coletiva e de valorizar os rendimentos do trabalho, transformando a legislação laboral. Mais do que “atrapalhar”, o Bloco está decidido a estragar os planos desta elite predadora.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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