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Tradicionalista para o que lhe interessa (a propósito de Almeida Henriques e dos Baldios)

Almeida Henriques não esconde o seu desprezo pela tradição e história libertária inerente aos baldios, advogando a sua pura e simples entrega às freguesias em prejuízo dos seus legítimos utilizadores.

Os baldios são uma forma de propriedade comunitária, integrando o terceiro sector da economia, sendo a sua existência garantida constitucionalmente. A fruição destas propriedades está desde tempos imemoriais na disponibilidade de comunidades locais, sem que haja, necessariamente, identidade entre a comunidade que tem direito a fruir do baldio e as divisões administrativas estabelecidas pelo Estado. Casos há em que o baldio apenas pode ser fruído por uma comunidade de escala inferior à freguesia de localização do baldio e outros em que a comunidade que frui o baldio nem sequer está integrada territorialmente na freguesia de localização do baldio.

Assim, os baldios estão fora do comércio jurídico e não têm sequer necessariamente identificação, quanto à sua administração e fruição com a freguesia onde se situam. Durante séculos os baldios representaram o único meio de as populações que deles fruíam obterem livremente acesso a lenhas, pastagem e outras utilizações consuetudinárias constituídas na livre tradição das comunidades locais.

A cobiça sobre os baldios sempre motivou diversas tentativas de apropriação dos mesmos por parte de entidades públicas e privadas, motivando a resistência das comunidades com direito à sua fruição, com lutas por vezes violentas como Aquilino Ribeiro relatou no seu romance “Quando os lobos uivam”. Hoje, novas utilizações rentáveis dos baldios têm motivado essa cobiça. Almeida Henriques não esconde, também ele, o seu desprezo pela tradição e história libertária inerente aos baldios, advogando a sua pura e simples entrega às freguesias em prejuízo dos seus legítimos utilizadores.

Pena é que Almeida Henriques não seja coerente, e nunca ponha em causa o carácter, para ele certamente sagrado da propriedade privada (que a comunitária é para ele, como se viu, desprezível) e que desprezando a secular tradição dos baldios, não seja coerente desprezando a tradição multissecular de confundir Estado com Igreja, mantendo um crucifixo no Salão Nobre da Câmara Municipal de Viseu. Enfim, é tradicionalista para o que lhe interessa…

Artigo publicado no “Jornal do Centro” a 2 de março de 2018

Sobre o/a autor(a)

Advogado, ex-vereador a deputado municipal em S. Pedro do Sul, mandatário da candidatura e candidato do Bloco de Esquerda à Assembleia Municipal de Lisboa nas autárquicas 2017. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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