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Para alguns, a medalha, para outros, o reverso

Segundo documentos antigos recentemente encontrados, não foi o Capitão inglês James Cook quem descobriu a Austrália em 1770, mas sim o navegador português Cristóvão de Mendonça, em 1522.

Embora a questão da descoberta do continente australiano por Portugueses possa suscitar fundadas dúvidas, encontra-se amplamente confirmada a “descoberta”, pelos governantes portugueses, da existência de professores de Português na Austrália, pois já em 2010 um professor neste país foi condecorado pelo antigo Presidente da República, Cavaco Silva, pelos serviços prestados no âmbito do ensino da língua de origem.

Visto que o ensino das línguas de emigração tanto na Austrália como no Canadá, Estados Unidos e Venezuela se encontra exclusivamente a cargo das entidades locais, sem que o Governo português tenha qualquer influência na colocação e remuneração dos professores, sendo assim também alheio ao tipo de ensino ministrado, manuais, sistema de avaliação, etc, admira que só em 2010 se tenham lembrado que esse professor, ou professores, existiam, para depois os condecorarem.

Mas realmente assim sucedeu, tendo o procedimento sido alargado aos professores de Português no Canadá que têm, desde 2015, vindo a ser homenageados e agraciados com vários tipos de medalhas e condecorações.

Nesse país, em cerimónias de agraciamento a professores já aposentados, pelas suas carreiras ao serviço da língua e cultura portuguesas, receberam os mesmos a Medalha de Mérito das Comunidades Portuguesas.

Mais recentemente, também no Canadá, uma professora com 42 anos de serviço foi condecorada duas vezes, com a Medalha de Ouro pelo Governo português e o Prémio Carreira pelo Instituto Camões.

Evidentemente, nada há a obstar que profissionais competentes sejam premiados por bons serviços prestados, seja em que campo for.

Qualquer trabalhador gosta de ver que o seu trabalho é reconhecido, respeitado e, porque não, recompensado.

Mas o que realmente causa estranheza neste caso é que os citados prémios e medalhas parece estarem exclusivamente destinados ao Canadá e à Austrália, pois nos outros países nada há a relatar de semelhante.

E também é de estranhar todas estas homenagens dirigidas a professores que nunca foram colocados nem remunerados pelo Governo português.

Na verdade, os únicos profissionais da área do ensino colocados e pagos tanto no Canadá como na Austrália pelo Instituto Camões são, desde 2010, os Coordenadores de Ensino, que têm como função, uma vez por ano, organizar o processo de certificação, que basicamente consiste em vender aos lusodescendentes nesses países, por 80 ou 100 euros, certificados atestando o nível de conhecimentos dos mesmos em Português Língua Estrangeira, que são inúteis para ingresso nas escolas ou universidades em Portugal, não relevando para o progresso escolar nos países de acolhimento.

Mas, por estranho que pareça, em tantos países onde o Instituto Camões, e dantes o Ministério da Educação, colocam e pagam os professores de Português, não há medalhas, nem menções honrosas, nem homenagens, nem nada para ninguém.

Muitos e muitos professores se reformaram depois de trabalhar 40 e mais anos no sistema, depois de terem dedicado a sua vida e a sua carreira a transmitir aos seus alunos o amor pela nossa língua e pela nossa cultura, depois de terem organizado festas, excursões e viagens a Portugal, depois de, incansavelmente, fazer a tão importante “ponte”, a ligação entre o país de acolhimento e o de origem.

Tiveram alguma coisa? Absolutamente nada. Reformaram-se e foram-se embora, sem sequer uma pequena festa, uma homenagem por mínima que fosse.

Inclusivamente, nem sequer tiveram direito ao pagamento do subsídio de regresso, que consta na legislação em vigor mas que o Instituto Camões se recusa terminantemente a pagar, reservando-o aos Coordenadores, que, visto auferirem um vencimento duas vezes superior ao de um professor, poderiam suportar uma despesa que para os docentes, contemplados com vencimentos mínimos, é incomportável.

Como comprovativo dos exíguos vencimentos dos professores do EPE, serve bem, como exemplo prático, o facto de um professor em Espanha, com menos de 15 anos de serviço, receber um salário quase idêntico ao de um nadador-salvador em Portugal durante a época balnear.

Para uns, medalhas de ouro. Para outros, nem sequer o pagamento dos subsídios que lhes caberiam por direito, e muito menos o direito a um salário digno.

Para uns, homenagens. Para outros, a perca do lugar de trabalho devido à falta de alunos ocasionada pela Propina ou, muito simplesmente, o despedimento originado por alegada falta de meios por parte da tutela.

Assim, há a constatar que uma das constantes do Instituto Camões é realmente o tratamento preferencial.

Basta ver o caso da vergonhosa “Propina”, que os alunos portugueses pagam mas da qual alunos estrangeiros em França, em Espanha e na Alemanha estão dispensados.

E também o caso dos professores, relegados para prioridade inferior nos concursos em Portugal e, ao que tudo indica, longe de verem os seus vencimentos atualizados, além de estarem privados de usufruir das leis de proteção à família e à maternidade, pois os ditames economicistas do citado Instituto continuam na ordem do dia.

Para uns há a medalha, para outros, apenas o reverso.

Este fim de semana, o novo Presidente do Camões e o SECP José Luís Carneiro estiveram na Suíça, para contactos com a Comunidade que não incluiram os professores, não estando também prevista nenhuma distribuição de medalhas

Artigo publicado em Luso Jornal a 19 de fevereiro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Professora de português no estrangeiro. Secretária-geral do Sindicato dos Professores das Comunidades Lusíadas
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