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Quantos Penedos existem? O maior incêndio de Portugal caiu no esquecimento

A porta-voz da Proteção Civil descreveu o dia 15 de outubro como "o pior dia do ano em matéria de incêndios", mas como têm sido para as populações os meses depois dos incêndios?

No dia 15 de outubro vivemos uma das maiores catástrofes coletivas do nosso país. Um dia onde se registaram 523 ocorrências, segundo o primeiro-ministro, dos quais 33 de tamanho bastante considerável. A porta-voz da Proteção Civil descreveu o dia como "o pior dia do ano em matéria de incêndios", mas como têm sido para as populações os meses depois dos incêndios?

O fogo propagou-se rapidamente devido a fortes ventos causados pelo furacão Ophelia, as temperaturas invulgares acima dos 30º, à seca e também pelo tamanho estado de abandono que o nosso território interior sofre. Os incêndios destruíram vidas, casas, industria, floresta e futuro. Pelo menos 45 pessoas morreram, houve mais de 70 feridos ligeiros e graves. O distrito onde mais vítimas mortais houve foi o distrito de Viseu, com pelo menos 15 vítimas mortais.

Estive há umas semanas na aldeia do Penedo, na freguesia da Lajeosa do Dão, situada no concelho de Tondela, o Penedo foi uma das aldeias mais afetadas do concelho nos incêndios do passado outubro. O que vi foi um cenário medonho, onde a única luz são as pessoas voluntárias que dão vida a pequena aldeia, uma aldeia que aguarda pelas promessas.

Aqui residem 78 pessoas, na sua grande maioria pessoas de uma certa idade, arderam casas de primeira habitação e casas de segunda habitação, sendo que podemos questionar-nos o que quer dizer para o Estado uma casa de segunda habitação já que muitas dessas casas eram habitações de fim de semana, onde pessoas vinham da cidade dar um pouco mais de vida a estas aldeias despovoadas do Interior. Também arderam barracões onde a maioria das pessoas guardava as alfaiais agrícolas.

Mais de metade destas pessoas tiveram prejuízos superior a 5 mil euros, mas candidataram-se a ajudas até 5 mil euros com medo a não receberem nada, mais que isso, com medo da burocracia exigida aos apoios superiores a este valor.

No Penedo, não houve qualquer apoio institucional, receberam nos primeiros dias a visita do Presidente da Câmara de Tondela, aquando o levantamento das habitações ardidas, apoio a outros níveis, tem sido prestado por voluntários independentes que aqui estão desde 17 de outubro. Os próprios autarcas locais esqueceram o incêndio de dia 15 de outubro.

Não houve apoio psicológico, quando foi solicitado, as pessoas receberam a informação que teriam de se deslocar à sede da Junta, a Lajeosa do Dão e o mesmo seria prestado através de atendimento, prática que não funciona nestes meios, pois existe ainda muito preconceito em relação à função de um psicólogo.

Não houve qualquer tipo de esclarecimento das populações acerca dos apoios e candidaturas para a agricultura, mais uma vez a informação chegou a conta gotas e com indicações diferentes dia após dia, mais uma vez as pessoas tinham que se deslocar até a Lajeosa do Dão para fazerem o registo de danos e as respetivas candidaturas foram feitas pelos voluntários que aqui estiveram.

Não há previsão para o começo da reconstrução das casas de primeira habitação, as pessoas estão alojadas em casas de familiares e vizinhos que cederam as suas habitações.

O abandono e esquecimento do Interior é tão grande que esta aldeia não tem saneamento e água potável, portanto uma aldeia fragilizada que sofreu ainda mais com os incêndios de outubro do ano passado.

No Penedo conheci o sr. Silva, um senhor com mais de 80 anos que perdeu tudo o que tinha, perdeu a agricultura, a casa e a esperança de viver. Aguarda pelas promessas que lhe foram feitas, mas não vai esperar para sempre.

Conheci a sra. Augusta, que olha para o horizonte sem esperança nenhuma, sem vontade de começar do zero, sem vontade de encarar o futuro.

Conheci a luz da aldeia, a Sílvia é uma voluntária com raízes no Penedo que se encontra lá desde 17 de Outubro. Ela faz de empreiteira, de veterinária, de psicóloga, o que seria do Penedo sem ela? Ela é que traz vida a aldeia e a população.

Enquanto se fala da Google em Lisboa, da Amazon no Porto, dos bilhetes para o jogo do Centeno esquecemos-nos que Portugal sofreu umas das maiores catástrofes dos últimos tempos, uma catástrofe que ainda não acabou. Um pesadelo que continua a ser a nossa realidade.

O Penedo é uma aldeia de muitas. Resta saber quantos Penedos existem. Resta saber quando é que o Estado vai assumir o Interior como uma prioridade.

Sobre o/a autor(a)

Estudante na licenciatura em Estudos Europeus. Dirigente distrital de Viseu do Bloco de Esquerda
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