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Maria de Lourdes Pintasilgo

Para ela, a política nunca foi uma arte do possível que seja perpetuação do que está, mas sim transformação social a partir da realidade inteira.

Curioso que tenha sido a Miguel Portas – caminhante incansável da procura das vias de uma vida digna para todas as pessoas no seu contexto e com a sua história – que Maria de Lourdes Pintasilgo tenha dirigido estas palavras num dos seus livros: “O que está em causa é o que faz a vida boa e feliz para cada pessoa. Como descobrir o que é bom para as pessoas? Onde encontrar a expressão adequada para essa subjetividade?”

Maria de Lourdes Pintasilgo tinha como evidente que, sendo a política a expressão de uma visão e não uma técnica engenhosa de gestão de expetativas, era esse primado da vida boa e feliz de cada um/a e de todos/as que devia ser o princípio de organização económica e social em todas as exalas, desde a casa até ao mundo. Sem nenhuma submissão a cartilhas ideológicas e com toda a alma.

“Mudar a vida” foi o seu lema. E nesse enunciado sintetizou os dois grandes pilares do que tem que ser uma política emancipadora. “Mudar…”: para ela, a política nunca foi uma arte do possível que seja perpetuação do que está, mas sim transformação social a partir da realidade inteira – a que é iluminada, a que é deixada na penumbra e a que é preciso inventar. “… a vida”: o que tem que ser mudado são simultaneamente as estruturas e as mentalidades, o micro e o macro, o íntimo e o social. Não se muda o campo socioeconómico sem mudar o olhar e não se muda o olhar se a relação de poder socioeconómica se mantiver inalterada.

No centro dessa política como ação transformadora sobre a realidade inteira, Maria de Lourdes Pintasilgo pôs sempre a democracia paritária. Escreveu: “A marginalização das mulheres diminui a democracia, mina-a do interior”. Foi pois em nome de uma democracia completa que Maria de Lourdes Pintasilgo tornou clara a necessidade de reconhecer que “o privado é político, que se trata de ter em conta ao mesmo tempo a organização social e a organização da esfera privada”.

Essa luta política e cultural por uma democracia completa, em que a representação dedicada seja permanentemente interpelada por uma participação crítica e que dê expressão à prioridade da justiça intra e intergeracional valeu a Maria de Lourdes Pintasilgo a desconsideração do Portugal pequenino e mesquinho. Esse Portugal de chico-espertos, da vidinha, do respeitinho, de senhoritos empertigados na obediência aos cânones não perdoou ser desafiado por uma mulher inteligente e irreprimivelmente livre. Furar esse silêncio de vergonha é um imperativo. Divulgar o pensamento de Maria de Lourdes Pintasilgo é uma exigência de primeira importância para o refrescamento da democracia.

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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