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Turmas mais próximas do conhecimento

A dimensão das turmas tem impacto na qualidade de ensino, sobretudo quando cruzada com o fator socioeconómico dos alunos.

O défice de qualificações faz parte de qualquer diagnóstico sério sobre o desenvolvimento económico e social do país. De tempos a tempos a expressão aparece nos discursos de governantes e responsáveis políticos, de tal forma repetida que quase se transformou num chavão. Combater o défice das qualificações parece gerar um consenso de desígnio nacional que, na verdade, não se traduziu sempre em políticas públicas de educação e qualificação.

Há uma explicação para isso. O défice de qualificações não embaraça qualquer política económica que assente a competitividade nacional numa redução generalizada de salários. Posto de outra forma, o modelo económico imposto pela troika e executado por PSD e CDS não era outra coisa que não baixar os “custos do trabalho”, onde encaixou a diminuição das despesas da educação em função do Produto Interno Bruto.

O que isto nos diz, e a História demonstra-o à exaustão, é que a educação é fundamental na afirmação de qualquer projeto económico e social de desenvolvimento do país. E, tal como a economia, ela nunca será consensual. O tal défice de qualificações é, em visões político-ideológicas opostas, uma vantagem competitiva ou um fardo insuportável para o país.

Dito isto, está quase tudo dito sobre a recente e oportunista preocupação da direita com o investimento na escola pública. Quem arrasa a educação de adultos e aposta na formação dos jovens para o mercado de trabalho sabe o que está a fazer. Quem aumenta o número de alunos por turma para despedir professores e cortar milhões tem perfeita consciência dos impactos pedagógicos da medida.

Um estudo recente encomendado pelo Ministério da Educação a uma equipa de investigadores do ISCTE/CIES sobre a Dimensão das Turmas no Sistema Educativo Português vem confirmar o que todos sabíamos, incluindo Nuno Crato: a dimensão das turmas tem impacto na qualidade de ensino, sobretudo quando cruzada com o fator socioeconómico dos alunos.

Se queremos quantificar o défice de qualificações de Portugal ( e devíamos, porque vamos pagá-lo bem caro) convém começar pela dívida deixada pelo PSD/CDS: 1300 milhões e uma escola mais produtora de desigualdades sociais.

Claro que foi útil para “poupar” 1300 milhões na escola pública em quatro anos. Cortava-se no orçamento enquanto o nosso sistema público de educação era orientado para servir um modelo económico de atraso e desigualdade, permitindo apenas a uma parte dos alunos chegar a um patamar de altas qualificações.

Combate ao “facilismo”, chamar-lhe-ia Nuno Crato. Um discurso demagógico e pouco sério, sobretudo para quem aposta na formação mínima, ironicamente dita vocacional, de jovens para o mercado de trabalho.

Se queremos quantificar o défice de qualificações de Portugal ( e devíamos, porque vamos pagá-lo bem caro) convém começar pela dívida deixada pelo PSD/CDS: 1300 milhões e uma escola mais produtora de desigualdades sociais. Quanto a isso, o Orçamento de Estado que foi este mês aprovado na Assembleia da República não resolve todo o saldo negativo, mas dá sinais muito positivos.

Um deles é a redução do número de alunos por turma, outro é o alargamento da gratuitidade dos manuais escolares. Também não é nada desprezível o impacto positivo da vinculação extraordinária de professores e do descongelamento das carreiras de todos os trabalhadores da educação, mas a redução do número de alunos por turma é emblemática por várias razões.

Por um lado, representa uma inversão da ideia de que o investimento na educação é uma gordura do Estado. Por outro lado, e de uma vez por todas, reconhece que o impacto pedagógico da dimensão das turmas justifica esse investimento. Não é uma receita mágica, mas é um ingrediente importante sobretudo nas grandes áreas metropolitanas. Porquê? Como diz o estudo, porque “do ponto de vista pedagógico, a relação entre professor e aluno altera-se substancialmente.”

A direita percebeu o sinal, e por isso largou a nova retórica de defesa dos serviços públicos para classificar a redução do número de alunos por turma como “um erro”. “Insuficiente”, disse a esquerda. E apenas em duas palavras distinguiram-se dois modelos de desenvolvimento do país.


Artigo publicado no jornal i a 6 de dezembro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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