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Rendas garantidas: 28 governantes passaram pela EDP
Em 1991, à semelhança de muitos outros serviços estratégicos nacionais, a EDP teve o seu estatuto jurídico de Empresa Pública alterado para Sociedade Anónima. Estava dado o primeiro passo rumo à privatização de um serviço garantido pelo investimento público ao longo de décadas. Nesse ano, um jovem adjunto do Secretário de Estado do Comércio Externo acompanharia com atenção o processo, sem saber ainda o papel que desempenharia no futuro da elétrica portuguesa. O seu caminho até à administração da EDP passaria pelo Conselho de Administração do BES (1992-1998) e da GALP (2000-2004), assim como por uma breve mas importante incursão como Ministro das Obras Públicas, Transporte e Comunicações no governo de Santana Lopes. Terminado o mandato deste cargo público, António Mexia estava preparado para comandar os destinos milionários da elétrica, constituindo o exemplo mais conhecido das portas giratórias entre o poder político e económico abertas pela EDP, mas longe de ser caso único.
Só nos governos de Cavaco Silva (1985-1995) é possível identificar mais sete membros que viriam a ser cooptados pela EDP, além de um Ministro e um Secretário de Estado da Indústria e Energia que passaram da EDP para o governo: Luís Mira Amaral (1987-1995) e Nuno Ribeiro da Silva (1987-1991). Ao segundo Secretário de Estado da Energia, Luís Filipe Pereira (1991-1995), que seria indicado pelos Mello ao Conselho de Administração em 2002 e ao Conselho Geral e de Supervisão em 2011, juntaram-se também na EDP: Vítor Martins, Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (1985-1995) e administrador (2003-2004); Jorge Braga de Macedo, Ministro das Finanças (1991-1993) e membro do Conselho Geral e de Supervisão (2012-2017); Faria de Oliveira, Secretário de Estado das Finanças (1989-1990) e membro do Conselho Geral e de Supervisão (2008-2011); Oliveira Godinho, Secretário de Estado das Pescas (1985-1991) e administrador (1998-2008); José Pedro Sucena, Secretário de Estado da Ciência e Tecnologia e administrador (2004); Eduardo Catroga, Ministro das Finanças (1993-1995), homem de confiança dos Mello, membro do Conselho Geral e de Supervisão (2006-2010) e Chairman (2012-2017).
Todos estes foram governantes antes da privatização, que haveria de chegar pela mão do governo de António Guterres. Em 1997, o Partido Socialista apresenta ao país a privatização de 30% da EDP utilizando a retórica de um “capitalismo popular” e da “manutenção dos centros de decisão nacionais”: 800 mil compradores, ou 8% da população portuguesa, com os bancos a emprestar dinheiro a centenas de milhares de cidadãos. A verdade é que rapidamente estas ações foram parar às mãos dos grandes grupos que beneficiaram também das fases seguintes de privatização, como os Mello e o BCP. Outro ganhador neste processo seria a Iberdrola, primeiro grupo estrangeiro a comprar diretamente parte das ações e que mais tarde cooptaria o ministro Pina Moura para a sua administração.
O resultado destes governos socialistas (1995-2002) foram mais nove governantes com ligações à EDP: Mário Cristina de Sousa, Ministro da Economia (2000-2001), Eduardo Oliveira Fernandes, Secretário de Estado da Energia e Inovação (2001-2002) e José Penedos, Secretário de Estado da Defesa (1997-1999) vieram da EDP para o governo; João Nascimento Batista, Secretário de Estado da Cultura (2000-2002), foi depois diretor da EDP; Diogo Lacerda Machado, Secretário de Estado da Justiça (1999-2002) ocupou o Conselho geral e de Supervisão (2006-2012); Emílio Pereira Rosa, Secretário de Estado e depois administrador; Luís Braga da Cruz, Ministro da Economia (2001-2002) e futuro consultor (2005-2010); António Nogueira Leite, Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças (1999-2000) e administrador da EDP Renováveis (2008-2012); António Vitorino, Ministro da Presidência (1995-1997) e consultor jurídico da EDP.
Nos anos seguintes, o governo de PSD-CDS continuou este processo, cabendo ao governo de José Sócrates juntar uma nova fase de privatização da EDP à entrega da REN aos privados, valendo uma nova fornada de governantes, com Celeste Cardona, Ministra da Justiça do CDS (2002-2004) a assumir o lugar no Conselho Geral e de Supervisão da EDP (2012), Rui Pena, Ministro da Defesa Nacional (2001-2002) no Conselho Geral (2007) e o já conhecido caso de António Mexia. Com os anos de chumbo da austeridade, mais do que os milhões e o reconforto de cumprir uma das missivas da troika, a venda de 21% da EDP que permaneciam na posse do Estado concluiu um processo histórico. Abandonado o discurso dos “centros de decisão nacional”, Carlos Moedas e Eduardo Catroga lideraram as negociações com a troika, ditando a venda restante e carimbando a promoção do segundo a chairman da nova EDP entregue ao capital chinês.
A esta longa lista de governantes - 16 do PS, 10 do PSD e 2 do CDS - a EDP junta ainda seletos quadros em áreas chave, como é o caso de Vital Moreira, que toma agora as dores das elétricas tendo sido, entre 2006 e 2009, membro do Conselho e Geral e de Supervisão da EDP ou de Vítor Constâncio, quadro estrutural do Banco de Portugal e administrador não executivo da elétrica entre 1995 e 1999. Um poder implacável na manutenção das rendas garantidas no sector, fazendo curvar todo um governo em menos de 48 horas, como ficou patente no caso da contribuição das renováveis acordada com o Bloco de Esquerda. Uma contribuição justa, que permitiria reduzir os custos energéticos das famílias que em Portugal pagam sobremaneira o seu acesso a este serviço essencial.
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Fala este artigo num tal José
Fala este artigo num tal José Penedos do Partido Socialista, proveniente da EDP, que
teria sido Secretário de Estado da Defesa do 1º Governo de António Guterres entre
1997 e 1999. Acontece que José Penedos também foi Secretário de Estado da Energia
do mesmo Governo entre 1995 e 1997. E, nesse cargo, o que fez ele? Privatizações. E
qual foi a famosa frase de José Penedos, numa entrevista à revista VISÃO de Agosto de
1996? (não cheguei a comprar essa revista, mas soube da frase pela Internet, bastantes
anos mais tarde): "Por cada privatização que faço, abro uma garrafa de Champanhe".
Muitas bezanas de Champanhe deve ter apanhado José Penedos à pala das privatizações
que fez.
Fernando Justino
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