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PS e a força do acionista

Esse PS da submissão aos interesses económicos foi o desastre que o país conhece bem. Fê-lo porque quis. Sem desculpas, nem sequer a indisponibilidade da esquerda para negociar.

Na reta final do Orçamento faltou coragem ao PS para romper com os maus hábitos do passado. Não é a primeira vez que divergimos, sobretudo em matéria orçamental. O país sabe que o Bloco não subscreve a obsessão com o défice zero que atrasa a economia e degrada os serviços públicos para agradar a Bruxelas. Também é pública a nossa diferença sobre a gestão da dívida pública e a necessidade de a reestruturar.

Desta vez não foi nada disto, foi a cedência do PS aos interesses privados que têm esmifrado o país ao longo de décadas. Não eram estas as “clientelas” a que o PSD se referia quando se viu sem assunto para criticar o Orçamento. Toda a gente sabe que estudantes, trabalhadores, pensionistas e contribuintes são, por definição, aqueles para quem se deve governar – chama-se povo. É preciso reconhecer coerência nesta forma de o PSD olhar para a governação como um apadrinhamento de interesses, e é por isso que a acusação revela uma enorme falta de vergonha na cara.

É bom lembrar que, na vertigem do ajustamento, a troika recomendou ao anterior governo várias medidas de cortes orçamentais, na sua maioria ataques aos trabalhadores e aos serviços públicos. Havia, no entanto, dois cortes que iam diretamente ao bolso dos interesses privados: os contratos de associação com os colégios privados e as rendas pagas às elétricas . O governo do PSD e do CDS não tocou em nenhum deles nem com a ponta de um dedo, quanto mais com a violência com que cortou salários e pensões.

Mas as culpas do PSD não desculpam o PS. Este herdou um sistema que ajudou a construir e que oferece à EDP um milagre elétrico: com apenas 12% da sua produção no nosso país, a EDP Renováveis obtém em Portugal 27% dos seus lucros. Os consumidores portugueses pagam mais 400 milhões de euros por ano pela produção renovável do que pagariam se os preços fossem os que a EDP Renováveis pratica na média dos países onde produz – por exemplo, na vizinha Espanha.

No processo da especialidade deste Orçamento, o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda negociou com o governo e apresentou uma contribuição de solidariedade, uma medida corretiva, ainda muito parcial e moderada, que só em parte reduzia estes lucros excessivos das elétricas. Era uma medida que não atingiria qualquer novo investimento, só seriam chamados a contribuir os produtores antigos, cujos investimentos já foram várias vezes amortizados mas que mantêm as rendas excessivas definidas no passado.

Pelo que parece, a EDP não gostou e mandou votar contra. E o PS obedeceu.

Entenda-se que o problema de fundo não é o Bloco sentir-se ofendido por o PS ter mudado a sua votação na 25.a hora. Nem sequer por ter rompido com a palavra que tinha dado ao Bloco e ao país, tanto nas negociações como nas votações. E, apesar de não ser despiciendo, o que está em causa também não são os 250 milhões de receita que tanta falta fazem ao Orçamento.

O problema é a opção que o PS tomou entre alimentar clientelas privadas ou baixar a conta da luz ao povo. Esse PS da submissão aos interesses económicos foi o desastre que o país conhece bem. Fê-lo porque quis. Sem desculpas, nem sequer a indisponibilidade da esquerda para negociar.

Artigo publicado no jornal “I” a 29 de novembro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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