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Ensino Superior e Ciência: um elefante no meio da sala

No ano letivo que agora arranca, as Instituições públicas de Ensino Superior recebem mais 44.914 novos estudantes. Mesmo com este crescimento, dificilmente o país consegue cumprir o objetivo a que se propôs: ter um terço de diplomados em Portugal até 2020.

No ano letivo que agora arranca, as Instituições públicas de Ensino Superior recebem mais 44.914 novos estudantes na primeira fase de candidatura. Este crescimento foi mais incisivo no Ensino Politécnico do que no Ensino Superior, no entanto, em cada um dos subsistemas, essa subida fez-se sentir. Mesmo com este crescimento do número de inscritos no Ensino Superior, dificilmente o país consegue cumprir o objetivo a que se propôs: ter um terço de diplomados em Portugal até 2020. Os anos da troika e da governação do PSD/CDS agravaram ainda mais a dificuldade para o alcance desse objetivo.

Voltemos ao essencial: colocando de parte o debate sobre as metas da OCDE no horizonte 2020, que leitura política devemos fazer? Ainda que os números sejam satisfatórios, tanto para o Ensino Universitário como para o Ensino Politécnico, não devemos cair no erro de conectar diretamente esta boa notícia com o caminho prosseguido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. E porquê?

O Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior (MCTES) viu, até ao término do primeiro semestre de 2017, 23,5 milhões de euros cativados; verbas essenciais para o regular funcionamento quotidiano das Instituições de Ensino Superior. Se não existiu uma política de propinas alternativa que, na pior das hipóteses, baixasse o seu valor máximo; se o regulamento de atribuição de bolsas de ação social não foi revisto, no sentido de abranger mais estudantes, se o número de camas nas residências universitárias está muito aquém das necessidades dos estudantes – principalmente nas grandes cidades onde a especulação imobiliária fez explodir o valor das rendas, podemos concluir que o sucesso é filho de alguém. Mas, esse alguém não é, de longe, o ministro Manuel Heitor e as políticas do seu ministério.

Resumidamente, o mérito deve-se ao caminho prosseguido na devolução de rendimentos que o país leva a cabo (recuperação de salários roubados, reposição dos cortes nos passes dos transportes públicos para estudantes, aumento das pensões, políticas de combate à precariedade, democratização das tarifas sociais da água e da energia, entre outras) e que só foi possível através dos acordos estabelecidos à esquerda. O país está melhor, amargamente, não se pode afirmar que o MCTES tenha sido parte responsável por esses resultados positivos.

Para as Instituições ultrapassarem este problema, não podem continuar a viver mergulhadas no subfinanciamento em que vivem. A Universidade da Beira Interior (UBI), a título de exemplo, não deu sequer entrada do seu Orçamento porque as exigências financeiras por parte do Governo são simplesmente impossíveis de cumprir por parte desta Universidade. O grave problema de subfinanciamento do setor atirou esta Instituição para uma situação alarmante. Em protesto, o Reitor não submeteu o orçamento para o próximo ano e espera que, depois do Ministro Manuel Heitor ter ignorado o problema, o Parlamento tenha uma palavra. Da parte do Bloco há um compromisso: lutar para que o Orçamento do Estado para 2018 seja um instrumento de coesão territorial e social e que combata o subfinanciamento do setor. O caso da UBI simboliza o pináculo do desinvestimento no setor. Como a UBI, temos, um pouco por todo o país, situações calamitosas.

É imperativo reforçar o orçamento do Ensino Superior e da Ciência, sejas nas transferências para as Instituições do Ensino Superior (IES) (com especial realce nas Universidades e Politécnicos das regiões com mais dificuldades), seja em Ação Social, descongelar as progressões das carreiras e combater a precariedade.

Desde 2013, mais de metade do investimento em Bolsas de Ação Social passou a ser garantido maioritariamente por fundos comunitários europeus ou diretamente pelas IES e menos de metade pelo Orçamento do Estado. Estes dados, ainda que estatísticos, comprovam uma progressiva desresponsabilização do Estado em matéria de Ação Social.

Comparativamente a outros sistemas de Ensino Superior europeus, o dinheiro público investido em Ação Social é diminuto. Mesmo nos países onde prevalece a lógica do utilizador-pagador, os mecanismos de ação social são muito mais eficazes e representativos nos próprios orçamentos desses Estados e nas Instituições de Ensino Superior.

O próximo Orçamento do Estado para o Ensino Superior e a Ciência não pode, de forma alguma, manter-se fiel à lógica de desinvestimento herdada da governação de Direita e das políticas da troika, que criou défices abismais em grande parte das IES.

Dos Sindicatos aos Dirigentes das Instituições, dos Docentes e Investigadores aos Estudantes, ecoa um grito de indignação: o Ensino Superior precisa de um Orçamento que o dignifique a si e a quem lá trabalha e estuda. Está o Governo e o Ministro Manuel Heitor à altura do momento? Da parte do Bloco, cá estaremos como sempre estivemos, em prol de um Ensino Superior dotado de instrumentos para chegar cada vez a mais cidadãos, livre de precariedade e com um claro cunho de liberdade científica e conhecimento crítico.

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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