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A Caminho da Reforma do Sistema de Saúde!

Muito bem, temos uma Lei de Reforma dos Seguros

A aprovação legislativa da reforma do sistema de saúde proposta pelo presidente Obama, vem provar que o Congresso norte-americano pode promulgar leis de âmbito social abrangentes apesar da oposição virulenta da Direita. Agora que temos uma reforma dos seguros, podemos prosseguir com a reforma do sistema de saúde?

Enquanto associação de enfermeiros formalizada temos a obrigação de proporcionar uma avaliação honesta, tal como o fazemos a cada hora de cada dia de trabalho. A legislação falha na concretização da promessa de estabelecer um único padrão de excelência universal nos serviços de saúde. Em vez disso, são feitos ajustamentos pontuais ao actual sistema de saúde privatizado, o qual está orientado para o lucro e é monstruoso.

Ter-se-á uma perspectiva mais sóbria da realidade quando a bazófia emudecer e se comparar a legislação aprovada com aquela que institui e regula o Sistema de Segurança Social e o Medicare [o actual sistema de saúde privado] – cujo objectivo provável era tranquilizar os apoiantes liberais, seguindo-se várias concessões à indústria dos serviços saúde e aos Democratas mais conservadores.

O que a lei proporciona:

- A expansão do programa público-governamental Medicaid para cobrir mais dezasseis milhões de pessoas com rendimentos baixos, embora este permaneça bastante sub-orçamentado, uma vez que as suas taxas de reembolso estão abaixo das praticadas quer pelo Medicare, quer pelos seguros privados, o que impossibilita o acesso a uma parte dos beneficiários. Apesar do governo federal garantir subsídios adicionais aos estados, tais subsídios não irão para além de 2016, o que fará do programa um alvo fácil para os cortes orçamentais de alguns governadores e de algumas legislaturas.

- Um aumento no orçamento para os centros de saúde comunitários, o que abrirá as portas destes a perto do dobro dos actuais utentes, que se deve a uma alteração legislativa defendida pelo senador Bernie Sanders.

- A redução – mas não a eliminação – do infame “buraco do donut” no défice da cobertura na prescrição de medicamentos, a qual os beneficiários do programa Medicare pagam do seu próprio bolso.

- As cláusulas das apólices de seguro passam a cobrir, até aos vinte e seis anos, os membros do agregado do beneficiário que dele estejam dependentes, e a impor restrições aos limites de cobertura anuais e vitalícios e à exclusão das crianças afectadas por cláusulas preexistentes.

- Os estados, individualmente, podem agora renunciar a algumas leis federais de modo a possibilitar a criação de programas próprios e inovadores, tal como a expansão do Medicare – apesar desta medida ter sido enfraquecida pela versão promovida por Dennis Kucinich [democrata, membro da Câmara de Representantes eleito pelo estado de Ohio].

Todas estas reformas podiam, e deviam, ter sido promulgadas sem as ampolas de veneno que as acompanharam.

Aspectos em que a lei deixa a desejar:

- Um mandato que impõe a subscrição de seguros a quem não estiver coberto por estes programas, a par de subsídios concedidos a quem aufere rendimentos médios e que não é elegível para o Medicare ou o Medicaid – o que resulta na oferta de um brinde de centenas de biliões de dólares à mesma indústria seguradora que provocou a actual crise através de uma política de preços dolorosa, de recusas de cobertura e de outros abusos.

- Esquemas de controlo de despesas de saúde individuais e familiares inadequados.

1. Os prémios de seguros continuam a subir. Os proponentes insistiram numa opção “pública” robusta de modo a garantir a “honestidade” das seguradoras – mas a proposta escapou. Depois da sucursal californiana da seguradora Anthem Blue Cross anunciar um agravamento de 39% nos prémios, o governo prometeu combater os aumentos através da criação de uma autoridade federal encarregue de supervisionar as taxas praticadas – ideia esta que também foi abandonada.

2. Não existe qualquer padrão para os pacotes de benefícios, tão-somente algumas referências discretas à obrigação de “comparar” estes pacotes com os planos de seguros oferecidos pelos empregadores.

3. A imposição de um limite ilusório às despesas médicas que não estão cobertas pelos seguros. Mas mesmo em todas as situações em que o estado intervém e regula, as seguradoras mantêm o controlo sobre os serviços que disponibilizam e as condições de cobertura. E é de esperar que as mesmas seguradoras criem planos para atrair os clientes mais saudáveis, os quais, por seu lado, irão descobrir que as garantias federais não cobrem os tratamentos de que realmente necessitam.

- São aplicadas restrições insignificantes às recusas de serviços que as seguradoras não querem pagar. Os proponentes da nova lei falam de uma revisão dos processos de recusa, muito embora os “processos de revisão internos” se mantenham sob a alçada das seguradoras e a revisão “externa” dos mesmos caiba aos estados – muitos dos quais que já têm sistemas de seguros, dominados pela indústria seguradora, dotados de mecanismos de controlo muito limitados.

- A tão propalada reforma do sistema de seguros tem muitos buracos:

1. Cláusulas que permitem às seguradoras, e a outras empresas, mais do que duplicar os preços cobrados a empregados que chumbem nas avaliações de “bem-estar” por sofrerem de diabetes e de hipertensão, por terem excesso de colesterol ou outros problemas de saúde.

2. É permitido às seguradoras vender as suas apólices em vários estados e não aplicar as medidas de protecção dos segurados aprovadas noutros estados. Isto significa que as seguradoras irão operar nos estados onde existe um nível de protecção menor, numa corrida até às piores condições, minando as medidas de protecção conquistadas pelos beneficiários em vários estados.

3. É igualmente permitido às seguradoras cobrar o triplo pelos seus serviços em algumas situações, com base na idade dos segurados e noutros requisitos, e continuar a lançar campanhas de marketing destinadas a atrair clientes mais saudáveis e menos dispendiosos.

4. As seguradoras podem continuar a denunciar apólices e a negar cobertura devido a “fraude ou deturpação intencional” (o pretexto mais comum das seguradoras nos dias que correm).

- Os benefícios associados aos sistemas de saúde são taxados pela primeira vez. A taxa a aplicar a estes benefícios, embora modificada, mantém-se nos 40% para os planos pessoais cujo valor exceda os dez mil e duzentos dólares [cerca de € 7.500] e para os planos familiares cujo valor exceda os vinte e sete mil e quinhentos dólares [cerca de € 20.400]. Rapidamente muitos planos irão atingir Associação Nacional de Enfermeirosestes valores à data do seu início, em 2018, se os aumentos dos prémios não forem controlados. Como resultado, mais custos serão transferidos dos empregadores para os empregados, e mais pessoas contratarão planos de seguros ‘esqueléticos’ que os vão tornar mais indefesos em caso de ruína financeira.

- Erosão dos direitos reprodutivos da mulher: uma provisão presidencial veio guardar no relicário um acordo existente com o objectivo de ganhar os votos dos Democratas que se opõem à legalização do aborto e discriminar as verbas destinadas a esta prática – o que significa que poucas seguradoras irão cobrir tanto esta prática como os serviços de assistência reprodutiva.

- A sorte grande para os gigantes farmacêuticos. Através de um acordo com a Casa Branca, a administração bloqueou as provisões dando ao governo mais poder para negociar os preços dos medicamentos. Assim, e em detrimento dos fabricantes de genéricos, foram oferecidos doze anos de monopólio às marcas farmacêuticas de medicamentos biológicos – inclusive os que se destinam a combater o cancro.

Mais preocupante ainda é o facto desta lei fortalecer o poder económico e político de um sistema privado assente em seguros, orientado para o lucro e não para as necessidades dos pacientes.

Nas palavras de Robert Reich, antigo Secretário com a pasta do Trabalho, escritas após a votação: “não se deve acreditar em quem afirma que a lei que Obama propôs para reformar o sistema de saúde marca uma mudança no sentido de uma Grande Sociedade e do New Deal [de F. D. Roosevelt]. Esta é uma lei muito conservadora, concebida a partir de uma perspectiva Republicana (a de mercado) e não como uma fundação do New Deal. Uma fundação do New Deal teria proporcionado o Medicare a todos os norte-americanos ou, no mínimo, oferecido a possibilidade de optar por seguros públicos.”

Esta lei, ao contrário da Segurança Social e do Medicare que alargaram o apoio público, exige que as pessoas paguem milhares de dólares do seu bolso às grandes empresas privadas por produtos que poderão ou não cobrir as suas necessidades, numa época em que se vive a pior crise económica desde a Grande Depressão e o desemprego em massa.

Muitas pessoas permanecerão sem seguro médico, os custos de saúde dos indivíduos e das famílias vão continuar a aumentar, muitas vezes incessantemente, e as seguradoras privadas manterão a possibilidade de recusar coberturas, deixando pouca margem de recurso para os pacientes.

Se esta lei for apenas o início, conforme insistem o Presidente e os seus apoiantes, procuraremos fazê-los honrar essa promessa. Desejamos também assistir à mesma determinação e mobilização por parte de legisladores e de eleitores na defesa desta lei, a fim de alcançarmos uma solução permanente, sustentável e universal para a crise nos serviços de saúde, através do alargamento e da melhoria do Medicare.

Os líderes da National Nurses United [Associação Nacional de Enfermeiros] já levantaram, há meses, muitas destas questões. Infelizmente, o espaço próprio para um verdadeiro debate e uma verdadeira crítica acerca das reais limitações desta lei, foi sendo limitado à medida que a reforma do sistema de saúde se aproximava da sua votação.

A responsabilidade por tal facto cabe, em muito, à extrema-direita: da rua e das ondas hertzianas [rádio] a alguns legisladores que, de uma forma persistente e deliberada, partiram da deturpação e do amedrontamento até aos impropérios racistas e às ameaças de violência veladas contra os apoiantes desta lei.

O governo e os seus apoiantes, por seu lado, mandaram calar aqueles que defendiam uma reforma mais abrangente, ao mesmo tempo que difamavam os críticos à esquerda.

Ambas as tendências são preocupantes em democracia, tal como o é a insinuante corrupção por parte dos lóbis empresariais que determinaram, claramente, a linguagem desta lei. Os recordes de influência junto das instituições federais foram estilhaçados pelas seguradoras, pelas empresas farmacêuticas e por outros lóbis corporativos, os quais foram recompensados com uma lei que protege boa parte dos seus interesses e com uma decisão do Supreme Court [Supremo Tribunal de Justiça] que permite às empresas – incluindo as da indústria dos serviços de saúde – financiar as eleições federais sem qualquer limite.

A Direita lutou para bloquear esta lei como o poderia ter feito contra qualquer outro sistema como o Medicare. Surgirá uma nova oportunidade para defender uma verdadeira reforma à medida que os norte-americanos se derem conta de que a lei agora aprovada não se assemelha às distorções ‘vendidas’ pela Direita, e à medida que perderem as ilusões face ao aumento do custo dos serviços de saúde e face aos conflitos constantes com as seguradoras. Para a próxima, faremos a lei bem feita.

Artigo publicado em Counterpunch.org.

Tradução de Pedro Silva Sena

Sobre o/a autor(a)

Directora executiva da National Nurses United
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