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Dez anos de irresponsabilidade e outra vez na mesma

Estamos agora pior do que em 2007: quando nos aproximarmos da próxima crise, teremos mais desemprego, menores proteções sociais e juro tão baixo que há pouca margem para soluções de emergência.

Disse-se a semana passada que foi a 9 de agosto de 2007 – portanto há dez anos – que se teria iniciado essa confusa sequência de acidentes e pânicos que viria a ser chamada a “crise do subprime”, primeiro, e Grande Recessão, depois. Não é exato.

De facto, em fevereiro desse ano já tinha havido avisos: o HSBC, um dos maiores bancos do mundo, tinha subitamente aumentado as provisões para créditos em risco, precisamente por causa das hipotecas subprime nos Estados Unidos (que correspondem a devedores com garantias frágeis). No Verão, dois fundos especulativos do Bear Stearns, outro banco gigante, faliram graças a dificuldades no subprime. Então, a 9 de agosto, o BNP Paribas suspendeu os pagamentos em três fundos e esse foi o sinal de alarme para os bancos centrais em Washington e Frankfurt. Foi apesar de tudo uma surpresa: o papa da economia ortodoxa, Robert Lucas, laureado com o Nobel, tinha declarado solenemente que “a macroeconomia foi bem-sucedida: para todos os efeitos, o seu problema central de prevenção de depressões foi resolvido, e há já muitas décadas”. Isto foi logo antes da pequena crise de 2003 e da grande crise de 2007, o que o levou a reconhecer então, contristado, que “todas as semanas mudo de opinião quanto à regulamentação bancária. Era uma área que me parecia controlada. Já não acredito nisso”.

Há várias lições destes acontecimentos, mais do que a imprecisão das datas. A primeira é a mais simples: isto pode acontecer de novo e por muitos motivos. O subprime foi só uma ignição. Esse mercado era um décimo do crédito hipotecário nos EUA e, no final, somente 4% registou incumprimento. Comparado com o mercado bolsista dos mesmos anos, isto corresponde a uma queda de pouco mais de 1%: um susto mas não uma tempestade. E foi um tsunami que resultou, pela simples razão de que as rendas pagas pelos devedores tinham sido empacotadas em sofisticados e opacos produtos financeiros, vendidos em esquema de pirâmide – isto resultava enquanto a euforia se prolongasse. Assim, o risco resulta da financeirização, da alavancagem, das entidades financeiras não reguladas, que foram cuidadosamente estimuladas e promovidas pelos reguladores, pelas leis e pelos banqueiros centrais ao longo de anos.

A segunda lição é que estes desarranjos têm mesmo efeitos na vida e nas economias. Foi a primeira vez nos séculos XX e XXI que uma recessão provocou uma queda absoluta do PIB mundial (no passado, a globalização era menor, o efeito de contaminação não era tão grave, e mesmo com crise nos EUA outras economias continuavam a crescer). No caso do Reino Unido, foi o quarto maior aumento de sempre da dívida pública, só superado pelas guerras napoleónicas e pelas duas guerras mundiais. Não preciso de vos lembrar o que aconteceu à Grécia, a Portugal, à Irlanda e a Espanha.

Portanto, atenção. As novas bolhas imobiliárias (Londres ou Pequim), a pilha de dívida chinesa, a construção grotesca do euro e os sacrifícios que impõe na Europa, a cavalgada de Trump para uma guerra comercial e o crescimento dos juros impulsionados pelo orçamento norte-americano, as aventuras dos bancos-sombra para obterem lucros rápidos quando os juros estão próximos de zero, basta um destes fatores de risco para desencadear um novo pânico financeiro. Só que estamos agora pior do que em 2007: quando nos aproximarmos da próxima crise, teremos mais desemprego, menores proteções sociais e juro tão baixo que há pouca margem para soluções de emergência. Vale a pena por isso um momento de sensatez quando se ouve os políticos neoliberais prometerem rios de leite e mel. Para eles, não correu mal, mas o que mede uma década perdida é que agora temos piores instrumentos para responder a uma crise do que havia em 2007 e os irresponsáveis têm mais poder.

Artigo publicado no blogues.publico.pt a 15 de agosto de 2017

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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