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A fobia

A fobia da ciganofobia é essa aversão focada nos pobres e que se distrai dos ricos.

“Os ciganos são uns ladrões” – quantos ciganos eram membros dos conselhos de administração que levaram bancos à falência por administração fraudulenta e ruinosa? “Os ciganos vivem de subsídios do Estado” – quantos ciganos integram a direção das elétricas a quem o Estado paga rendas provadamente excessivas? “Os ciganos não respeitam a propriedade de ninguém” – foram ciganos que deixaram os pequenos depositantes do BES ou do BANIF sem nada? “Os ciganos são uma minoria que se arroga o direito de viver fora das regras do Estado de Direito” – quantos ciganos têm fortuna investida em offshores? “Os ciganos sujam tudo à sua volta” – é algum cigano que dirige a central nuclear de Almaraz? “Os ciganos não querem aprender” – algum cigano é editorialista da área económica com artigos a defender reiteradamente que não há alternativa à austeridade?

A ciganofobia é filha do preconceito. De um preconceito velho, aqui como por esse mundo fora: o preconceito contra o outro que é diferente de nós nos hábitos e igual a nós na pobreza. Esse preconceito velho é o alimento da estratégia cínica de pôr os pobres a culpar os muito pobres pela sua pobre condição e a louvar os ricos por serem tão bem sucedidos na vida. A fobia da ciganofobia é essa aversão focada nos pobres e que se distrai dos ricos. Que culpa os pobres pela desordem e bendiz os ricos pela ordem que lhes convém e que desordena a vida dos pobres.

É por isso que a resposta mais certa à ciganofobia não é a de que há ciganos bons e ciganos maus – pois claro que há – como há desportistas bons e desportistas maus ou velhos bons e velhos maus. A estigmatização de um grupo inteiro pelos comportamentos de uma parte reduzida dele é inaceitável, certo. Mas o que se exige diante dos discursos e das práticas discriminatórias da comunidade cigana é que, com toda a firmeza, se mostre que esta fobia dos pobres que resistem em ser assimilados à normalidade dos hábitos é uma filia para com os ricos que fazem da sua anormalidade de hábitos um chamariz de babugem social.

É, pois, de uma estratégia de dissimulação dos de cima lançando o ódio sobre os de baixo que se trata. E, além do mais, é uma valente estupidez que só revela ignorância. São assim os preconceitos. E o preconceito de não saber a riqueza de humanidade que tem o cante de Camarón, o dedilhado de Django Reinhart ou o génio de representação de Chaplin é a mostra de uma condição pequenina, sem chama nem juízo.


Artigo publicado no Diário As Beiras, 22/7/2017

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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