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Nova Lei dos Baldios: um passo em frente

A lei agora aprovada melhora radicalmente o quadro em que trabalham as comunidades locais.

Os baldios são terrenos de gestão e uso comunitários, constituindo uma realidade multissecular de espaços tradicionalmente fruídos por comunidades locais. Ao longo dos séculos, foram objeto de cobiça dos mais poderosos e do próprio Estado Novo, sendo conhecidos os muitos episódios de apropriação, consumada ou não, dos bens possuídos por esta forma de propriedade comunitária. Todos estes ataques enfrentaram a contestação das populações e originaram revoltas.

Na anterior legislatura, a maioria PPD/PSD e CDS-PP aprovou uma lei para destruir paulatinamente esta forma de propriedade comunitária, introduzindo-lhe elementos tendentes à sua privatização. Por essa via, a direita satisfez interesses económicos que vislumbram na apropriação dos baldios uma nova fonte de rendimento, para benefício próprio, em detrimento das comunidades locais. Assim se explica todo o interesse em permitir a extinção de baldios, abrindo o caminho à sua privatização. Tudo assente na negação do princípio secular de que os baldios estão fora do comércio jurídico e são propriedade das comunidades locais.

Na atual legislatura, o Bloco de Esquerda avançou com uma nova lei que revertesse os anteriores passos privatizadores da maioria de direita e acabasse com os alçapões legais que privavam as comunidades dos rendimentos dos baldios. O Bloco tomou a iniciativa, apresentou e agendou um projeto-lei nesse sentido

Acaba agora de ser aprovada, na Assembleia da República, uma nova Lei dos Baldios, após meses de intenso trabalho e negociações que permitiram acordar um texto conjunto entre PS, BE, PCP e PEV. Trata-se de um diploma que responde ao essencial das preocupações das comunidades locais. Mas que irrita profundamente a direita.

Percebe-se, pois as mudanças são muitas. A nova lei respeita escrupulosamente o princípio constitucional da propriedade comunitária, assenta no respeito pelos diversos usos e costumes e defende a gestão comunitária de ingerências exteriores.

Apenas alguns exemplos:

  • Na lei atual podem ser celebrados contratos de cessão e exploração e também de arrendamento. A admissão de arrendamento corresponde a descaracterização dos baldios como propriedade comunitária, procurando-se assim confundir a propriedade comunitária com a privada. Na proposta aprovada não se admite o arrendamento de baldios.
  • A lei ainda em vigor prevê a obrigatoriedade de planos de utilização dos baldios. A proposta aprovada afasta a possibilidade de, por lei ou regulamento, se impor condições mais gravosas nos planos de utilização do que as aplicáveis sobre propriedades privadas.
  • No que se refere ao direito às receitas provenientes dos baldios submetidos ao regime florestal depositadas e ainda não recebidas, a lei atual prevê a prescrição do direito decorridos três anos a contar do início de Setembro de 2014. Na proposta agora aprovada, os compartes mantêm o direito a receber essas receitas.
  • Na lei atual não consta menção ao direito às águas dos baldios. Segundo a proposta agora aprovada, as águas integrantes dos baldios podem ser usufruídas pelos compartes de acordo com os usos e costumes, sem prejuízo de as águas nele nascidas, que estiverem a ser destinadas a uso público, conforme prevê a lei 54/2005, serem públicas.
  • Pela lei atual a cessação do regime de administração de baldios em associação com o Estado opera-se por deliberação da assembleia de compartes. Na proposta prevê-se que a cessação ocorre impreterivelmente também depois de decorridos 50 anos após a entrada em vigor do decreto-lei aplicável.

A nova Lei dos Baldios, agora aprovada, é de facto um passo em frente na recuperação do direito das comunidades aos seus baldios e defende-os de ataques privatizadores. Uma lei, só por si, não resolve todos os problemas, sabemo-lo. Esta não será exceção. Mas melhora radicalmente o quadro em que trabalham as comunidades locais e as associações de baldios. E há muito trabalho a fazer, para ajudar a ultrapassar casos de fragilidade na gestão que, de facto, subsistem.

Confiamos nos povos e na sua capacidade para encontrar novas formas de gestão amplamente democrática, sem tutelas, rentáveis, respeitadoras do ambiente e de que, muito justamente, beneficiem as comunidades.

Artigo publicado no jornal Público em 29 de junho de 2017

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro técnico de comunicações. Dirigente do Bloco de Esquerda
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