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A falta de transparência da regulação do lobbying

Registar os profissionais da influência e tornar públicas as suas reuniões com deputados ou governantes torna essa sua influência em algo ético-politicamente puro?

Lloyd Blankfein, à data CEO do Goldman Sachs, agradeceu por carta de 30 de setembro de 2013 a Durão Barroso, então Presidente da Comissão Europeia por “ter conseguido roubar tempo à sua agenda para vir ao Goldman Sachs” para “uma discussão produtiva sobre as perspetivas económicas mundiais”. Não há qualquer registo desta reunião nos arquivos da Comissão Europeia.

O episódio é ilustrativo do alcance real esperável da regulação do lobbying. Entendamo-nos: a regulação do lobbying envolve fundamentalmente o registo dos representantes de interesses e das entidades representadas e a publicidade dos contactos formais destes com os decisores políticos. Assim se conseguirá, dizem-nos os crentes na coisa, trazer à luz do dia a “pegada legislativa” de cada diploma. A crença tem dois suportes para os crentes: primeiro, a publicidade dada aos contactos – tudo passa a ser público, dizem; segundo, o estabelecimento de uma fronteira clara entre o que é legal e o que o não é – o informal é ilícito, dizem.

Crenças são crenças. Mas, neste caso, podem bem ser mais que isso. O que a regulação do lobbying conseguirá será, quando muito, que quem não tem poder para não deixar pegada seja referenciado publicamente. Todos os demais, os que têm recursos materiais e políticos para invisibilizar a pegada e, mais que tudo, aqueles que não precisam de qualquer reunião formal para influenciar decisões, esses continuarão de forma tão tranquila e subtil quanto eficiente a influenciar as políticas e as leis que mais contam. E não, o informal não se tornará ilícito. Ficará apenas informal, cómoda e discretamente. Como sempre. O episódio das reuniões de Durão Barroso com o Goldman Sachs exemplifica-o bem.

Mais vale uma lei de pouco alcance do que um completo vazio legal, argumentam os crentes na regulação do lobbying. Mas não têm razão. Primeiro, porque a alternativa não é o vazio legal. A alternativa é uma regulação rigorosa e corajosa em matéria de incompatibilidades e impedimentos ao exercício de cargos públicos, em matéria de obrigação de declaração de rendimentos e de interesses e da sua fiscalização efetiva, é a determinação de acabar com o incompreensível regime de exceção àquelas incompatibilidades para advogados, revisores de contas e outras profissões. Se houver passos sólidos nesse sentido, se se combater a sério o vai-vem entre a política e os negócios durante o exercício de cargos públicos ou depois de terminado esse exercício, a regulação do lobbying perderá boa parte do espaço de utilidade que lhe é atribuído pelos seus adeptos.

Mas a alternativa entre lei de pequeno alcance e vazio legal é igualmente enganosa por outra razão. É que o alcance da legalização do lobbying pode vir a ser bem mais amplo do que parece: o risco maior é mesmo o de se passar a considerar legal aquilo que hoje cabe no universo do tráfico de influências. Registar os profissionais da influência e tornar públicas as suas reuniões com deputados ou governantes torna essa sua influência em algo ético-politicamente puro?

Artigo publicado no diário “As Beiras” em 24 de junho de 2017

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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