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Luto e firmeza

Estamos à espera de todo o tipo de ataques, mas não há meio de nos prepararmos para este, que todos os verões nos destrói a terra e, por vezes, como esta, leva tantas vidas.

Estamos à espera dos ataques terroristas e das ameaças externas. Dos jiadistas, dos talibãs e dos radicais islâmicos. Não há dia em que o mal dos outros não nos entre pela casa adentro, com todos os mórbidos detalhes em imagem de alta definição. Já pouco choca, mas o medo instala-se, mesmo que se morra menos por terrorismo hoje na Europa do que nos anos 70.

Estamos à espera de todo o tipo de ataques, mas não há meio de nos prepararmos para este, que todos os verões nos destrói a terra e, por vezes, como esta, leva tantas vidas.

Podem as tragédias ser evitadas? Umas talvez sim, outras certamente que não. Estão 40 graus e a floresta é uma acendalha. Entendamos que a natureza é caprichosa, e cruel, sempre foi. Mas que a sua discricionariedade não sirva a nossa inação, e muito menos a banalização da tragédia.

O tempo é bom conselheiro, o choque não. Haverá tempo para análises, diagnósticos e responsabilidades quando a dor acalmar, e quando compreender não significar absolutamente encontrar culpados. Mas é preciso dizer que há análises e diagnósticos que há anos estão feitos. E há propostas concretas que ainda aguardam uma maioria política para se tornarem realidade.

O pinhal do interior é, na verdade, composto pela explosiva combinação da cultura do pinheiro e do eucalipto. Há muito tempo que sabemos das suas consequências, mas até agora não foi possível travar a eucaliptização do país. A terra que ardeu era, em muitos casos, privada e abandonada. O diagnóstico está consolidado, mas ainda não foram tomadas medidas para combater a desagregação da área florestal. As faixas de segurança nem sempre existem e há eucaliptos com uma dezena de metros de altura à beira de tantas estradas e à porta de tantas casas por esse país afora.

O tempo é de luto, e de choque. E certamente de solidariedade com quem perdeu tudo, ou quase tudo, neste incêndio. É tempo de zelar pela proteção dessas pessoas, e não de expor o seu sofrimento para alimentar as audiências. A empatia sobrevive bem sem essa invasão gratuita. Mas que a tragédia também nos convoque, sem precipitações ou oportunismos, porém com firmeza, a pôr em marcha tudo o que ainda podemos fazer para evitar a sua repetição.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 20 de junho de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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