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“O Rei Vai Nu” ou “Comei e calai: tendes aqui um MetroBus”

A 2 de junho, foi apresentado em Coimbra pelo Ministro das Infraestruturas a solução para o Sistema de Mobilidade do Mondego. Dizer que a solução MetroBus é má é tão óbvio, tão verdadeiro e tão necessário quanto gritar “O Rei Vai Nu”.

Na passada sexta-feira, foi apresentado em Coimbra pelo Ministro das Infraestruturas, Pedro Marques, a solução para o Sistema de Mobilidade do Mondego. Na sessão, para a qual o PS convocou devidamente os seus militantes, o tom celebratório, próprio de campanha eleitoral, foi dado pelo Presidente da Câmara, ameaçando, à sua boa maneira autoritária, que a oposição à solução encontrada, por parte dos “estorvos do costume” não poderia ser tolerada. Meia dúzia de técnicos do LNEC sucederam-se para dar solenidade a um power point mal-amanhado, e de lá saímos, sem Metro Ligeiro de Superfície, mas com uma coisa, nem carne nem peixe, a quem, por isso mesmo, se chamou pomposamente MetroBus.

Reza o conto “ O Fato Novo do Imperador” que foi necessária a voz verdadeira de uma criança para gritar “O Rei Vai Nu” num contexto semelhante de encenação e exibição de poder, em relação ao qual toda a gente vê o óbvio, mas não contesta, num unanimismo de interesses, que alimenta esse mesmo poder e quem dele lucra. Porém, dizer que a solução MetroBus é má é tão óbvio, tão verdadeiro e tão necessário quanto gritar “O Rei Vai Nu”. O que foi apresentado em Coimbra representa a capitulação, por parte do governo e dos autarcas da região, a um único argumento vindo de Bruxelas: a UE não dá dinheiro e o governo não considera Coimbra e a região dignas de um investimento de mais de 100 milhões, por mais estruturante que este seja numa perspetiva regional e que as populações o aguardem há três décadas, depois de terem sido roubadas do transporte ferroviário que as servia e de Coimbra ter visto o seu centro histórico demolido em nome da solução de mobilidade moderna que estava prevista – o Metro Ligeiro de Superfície como eixo de uma rede de transportes intermunicipal que colocaria Coimbra ao nível de congéneres europeias neste domínio. Ou seja, o MetroBus não é a melhor solução, não é sequer uma solução “razoável” e seis técnicos do LNEC não foram suficientes para que, na audiência, mesmo entre as hostes obedientes do PS, se ouvisse, em desabafos exclamativos, o tal “o rei vai nu”: “Mas são autocarros?!”.

De facto, o que foi apresentado pelo Ministro como um milagre definitivo, já no terreno, a concluir em três anos e meio, e – não por acaso – com o “brinde” do anúncio da requalificação da estação ferroviária de Coimbra B (e quanto ao resto é papar e andar, porque já andamos há anos demais nisto, e não se queixem, porque até levam um “rebuçado”), é uma solução que tem vindo a ser abandonada noutros locais da Europa por causa dos muitos problemas que causou e que o estudo do LNEC ficou longe de assegurar que não se repetiriam aqui – muito pelo contrário. A economia que se consegue nesta solução em relação ao Metro Ligeiro de Superfície deve-se, em muito, à anulação do túnel previsto para a Cruz de Celas, a qual surge sem justificação e sem soluções de inserção urbana para o MetroBus, o que, desde logo, faz antecipar problemas enormes que os munícipes terão de pagar caro, a curto e a longo prazo. Acrescem aqueles que concernem a segurança dos passageiros no troço suburbano, a despeito das soluções de guiamento apresentadas, as quais, segundo admitiram os técnicos, são bastante falíveis em condições meteorológicas adversas, como aquelas que existem no Ramal da Lousã durante o Inverno.

Muito embora permaneça a suspeita de que poderá tratar-se apenas de foguetório pré-eleitoral (a Presidente da CCDRC só agora irá inscrever o projeto no Programa Operacional Regional, na parte de infraestruturas, quanto ao material circulante “há a possibilidade de outros fundos”, ou seja, nem o financiamento é certo, mesmo para uma solução má), não podemos desvalorizar a solução ora apresentada. Em coerência com o que sempre defendeu e com o que foi aprovado na Assembleia da República em sucessivos projetos de resolução, o Bloco de Esquerda chamará o Ministro para o questionar sobre o que, para além do mais, é uma falta perante compromissos assumidos para com as populações envolvidas e um desrespeito da democracia e insistirá no Metro Ligeiro de Superfície como a única solução boa e digna desta região. Em Coimbra, os Cidadãos por Coimbra manter-se-ão vigilantes, analisando com rigor todos os detalhes associados a esta proposta e cuidando para evitar que a solução encontrada se transforme num enorme bico de obra que pesará sobre os munícipes durante as próximas décadas, agravando, ao invés de solucionar, o caos que se vive em termos de transportes urbanos e suburbanos.

É preciso, sobretudo, encontrar para Coimbra e os municípios circundantes uma estratégia integrada de mobilidade que valorize os transportes públicos, revalorizando urgentemente os SMTUC, que se encontram em declínio acentuado, com uma perda sistemática e extensa de passageiros para o transporte privado. Lutaremos nestas duas frentes e Coimbra pode contar com o nosso compromisso. Na hora de votar, é preciso saber que não só podemos, como é nosso dever, dizer “o rei vai nu”.

Sobre o/a autor(a)

Professora universitária, dirigente do Bloco/Coimbra
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