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Eletricidade mais barata! É possível, sem parasitas

O custo da eletricidade em Portugal é o mais caro da União Europeia. Não estamos condenados a este roubo. Basta ter a coragem para enfrentar o lóbi da energia.

Esta é uma história complicada. O nome das personagens não é simples, o enredo não é linear, a cronologia não é coerente e os conflitos são vários, mas vale a pena seguir o fio à meada. É um verdadeiro épico dos nossos dias e, como a realidade é mais rica do que a ficção, mais interessante do que a imaginação de qualquer romancista ou escritor de policiais. Mas não se engane, esta é uma história de terror! Pelo menos, para o dinheiro que temos nos bolsos…

Tudo começa com uma empresa pública, a EDP - Eletricidade de Portugal/Empresa Pública, criada em 1976. Num país acabado de sair do atraso do período da ditadura, as debilidades no setor da energia eram óbvias, as falhas de energia elétrica recorrentes e cobertura territorial da rede elétrica insuficiente. Durante duas décadas, o nosso país deu saltos de gigante para resolver estes problemas e o investimento público foi enorme. A paisagem energética do país modernizou-se e os resultados na qualidade de vida e no tecido económico foram visíveis.

A cobiça é um dos pecados mais antigos e também não falta a esta história. Como tudo o que é bom no público é cobiçado pelos privados, feitos os investimentos pelo Estado rapidamente começaram as pressões para a privatização da empresa. O capitalismo popular, importado por Cavaco Silva e apadrinhado por António Guterres, já tinha levado à privatização de várias empresas como a Unicer, Cimpor, Banco Português do Atlântico, Banco Totta & Açores ou a Portugal Telecom. Nesta voragem, era apenas uma questão de tempo até chegar a vez da EDP. Em 1997 foi dado esse pontapé de partida para a privatização, num processo que passou por oito fases. A dança do bloco central fez o caminho até à privatização completa de uma empresa estratégica no país em 2011.

Antes de passar ao ultraje das rendas garantidas aos privados da EDP, apenas uma pequena nota sobre as promessas do capitalismo popular. Este foi um processo para garantir que os microinvestidores pagavam a privatização a uma elite portuguesa descapitalizada, na expectativa de que o ciclo capitalista da concentração guiasse as ações até às suas mãos. O logro é claro quando confrontamos as promessas de valorização das ações de então e a realidade de hoje: por exemplo, as ações que foram compradas em 1998 por 4,12 euros valem hoje 3,24 euros.

Feito o parênteses no enredo, regresso à ação principal. Enquanto a EDP era pública, os investimentos eram feitos com dinheiro público e o resultado positivo da sua atividade reinvestido para melhoria da rede e da produção ou distribuído ao acionista: o Estado. Mas, quando se pretendeu a privatização, começou o espartilho da atividade e a criação de contratos entre o Estado e cada um dos investimentos da EDP (barragens e centrais), garantindo que a eletricidade produzida seria sempre comprada. Estes contratos, batizados como contratos de aquisição de energia (CAE), garantiam taxas de rentabilidade elevada e intocável por lei. Com a segmentação da EDP em várias empresas, estes lucros garantidos foram-se multiplicando ao longo da cadeia energética, sendo a lei simultaneamente alterada para defender este parasitismo.

Avançando a privatização, logo surgiu a ladainha do mercado concorrencial e a utopia do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL). A panaceia da concorrência iria fazer reduzir os custos da eletricidade, mas foi mais uma falsidade que nos foi ao bolso. Em nome da concorrência, os CAE passaram a ser chamados contratos de manutenção de equilíbrio contratual (CMEC). Alterou a concentração da atividade nas mãos da EDP? Não. Acabou com os lucros abusivos da EDP? Não! Aumentou ainda mais o abuso. A própria Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) teve um parecer negativo, indicando que os CMEC iriam fazer aumentar os encargos. A verdade é que o lóbi da energia venceu essa luta, sempre protegido pelo bloco central.

Chega a história ao fim, ainda sem conclusão, faltando definir se teremos um final triunfal ou um epílogo deprimente. Os rostos da EDP foram recentemente constituídos arguidos numa investigação judicial sobre a criação dos CMEC. Será António Mexia o Tio Patinhas ou um dos Irmãos Metralha desta história? À justiça o que é da justiça, desejando apenas que seja célere e aplicada exemplarmente. Mas à política é exigido muito mais: há firmeza para atacar as rendas da energia ou continuará o bloco central a força de bloqueio deste combate?

O custo da eletricidade em Portugal é o mais caro da União Europeia. Não estamos condenados a este roubo. Basta ter a coragem para enfrentar o lóbi da energia.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” em 8 de junho de 2017.

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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