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A vacaria neoliberal

A lavoura, nos Açores, tem enfrentado as consequências da desregulação, e foi entregue à selvajaria do mercado à moda neoliberal, geradora de uma crise no setor leiteiro.

O problema de fundo e estrutural não se encontra no embargo russo, apesar de ter contribuído para o agravar da crise, mas sim numa política baseada no princípio da inesgotabilidade dos recursos naturais associado ao primado da produção crescente em que os grandes produtores saem sempre a ganhar, porque conseguem atingir quantidades que lhes permitem praticar preços reduzidos, com origem num modo de produção intensivo e industrializado que culmina no paradigma da “vaca fábrica”.

Nos Açores, a aposta na qualidade da produção no setor da lavoura era fundamental, mesmo antes da atual crise, e torna-se, agora, ainda mais premente.

Os lavradores terceirenses têm sentido os efeitos perversos destas políticas quando se confrontam com uma relação desigual com a indústria, no caso multinacionais que praticam preços cada vez mais reduzidos à produção.

A valorização da produção não se faz pela indiferenciação, mas antes pelo contrário: com uma produção reconhecida pela sua qualidade, o que não se compadece com o abuso de rações, em detrimento da pastagem, e muito menos pela utilização de ração à base de OGM, numa prática claramente contra aquela que deveria ser a imagem da marca Açores.

A lavoura tem reclamado, para si, o mérito de contribuir para a paisagem natural da Região. Aqui, na ilha, é inegável o valor paisagístico da “manta de retalhos” que se avista da serra do Cume e das vacas que pastam livremente, ao ponto de se tornarem uma atração turística e num autêntico postal, numa referência que poderá sair manchada se se perpetuarem maus exemplos de maneio de gado, com vacas quase afogadas em lama, em cerrados com pouco ou mesmo nenhum pasto.

O trabalho na lavoura é, sem dúvida, duro e muito exigente fisicamente, e que, por isso mesmo, deve ser retribuído condignamente e com respeito pela saúde e higiene dos trabalhadores deste setor. Porque se é verdade que o futuro do setor depende de vacas felizes, não deixa de ser menos verdade de que também depende de produtores e trabalhadores felizes.

A crise pela qual passa o setor não pode servir de desculpa para as condições oferecidas aos trabalhadores agrícolas, por conta de outrem. Infelizmente, pouca importância tem sido dada às condições laborais na lavoura.

A prática de trabalho não declarado, mais do que precário, e muito mal pago não pode, nem tem de ser comum neste setor. Aliás, o pagamento do salário mínimo, com hora para os trabalhadores entrarem, mas sem hora para saírem, sem direito ao pagamento de horas extraordinárias, passando pela falta de condições de higiene e segurança tem de acabar.

Acredito que os casos de mau maneio de gado não são regra, e que como maus exemplos devem ser combatidos, assim como as condições oferecidas aos trabalhadores agrícolas devem ser dignas de um setor tão crucial da nossa economia, pois só assim poderemos ter uma lavoura com futuro.

Sobre o/a autor(a)

Deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Membro do Bloco de Esquerda Açores. Licenciado em Psicologia Social e das Organizações
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