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Animar em Malta

De acordo com as notícias do fim de semana, houve 48 sócios portugueses da Deloitte (uma das quatro grandes consultoras internacionais) que, só num ano, receberam 53 milhões de euros em dividendos.

Em 2013, a organização holandesa SOMO publicou um relatório com o nome "Evitando impostos em tempos de austeridade". Segundo o documento, o investimento direto estrangeiro português em 2011 cresceu 134%, e o seu maior destino foi a Holanda. Surpreendentemente, 38% do stock de investimento estrangeiro português estava concentrado na Holanda, e apenas metade disso em Espanha. Da mesma forma, o maior país de origem do investimento estrangeiro em Portugal era, imagine-se, a Holanda.

É certo que a Holanda é uma importante economia europeia, mas está longe de ser o nosso maior parceiro económico e comercial. A explicação é outra, e reside nas várias sucursais que as maiores empresas portuguesas criaram lá fora para reduzir a sua fatura fiscal. Estes dados não refletem verdadeiros fluxos de investimento, mas sim transações financeiras entre empresas do mesmo grupo, por exemplo para transferir lucros para territórios com menos impostos. É o caso da EDP, analisado no relatório, mas também de quase todas as empresas da Bolsa portuguesa.

A Holanda não é caso único. Em 2014, o LuxLeaks revelou como centenas de empresas usavam o Luxemburgo, com o apoio das grandes consultoras internacionais e a cumplicidade do Governo, para fugir aos impostos nos seus próprios países. Em 2015, o SwissLeaks expôs dezenas de milhares de contas secretas, abertas no banco HSBS na Suíça, que serviam para de tudo um pouco, de financiamento do terrorismo à fraude fiscal. Em 2016, conhecemos o Panamá Papers e regressamos agora à Europa, com o trabalho do Consórcio Europeu de Jornalismo de Investigação sobre o regime fiscal de Malta.

De acordo com as notícias do fim de semana, houve 48 sócios portugueses da Deloitte (uma das quatro grandes consultoras internacionais) que, só num ano, receberam 53 milhões de euros em dividendos. O número em si já é astronómico, mas acresce que este dinheiro circulou por Malta, através de um complexo esquema de empresas, para chegar a Portugal tendo pago apenas 5% de imposto. É só um caso, muitos outros haverá.

Há quem olhe para estes esquemas de planeamento fiscal agressivo e veja formas legítimas de fazer negócios. Há ainda quem se prefira esconder na impotência face à chantagem da fuga de capitais. É um erro. A fronteira entre o legal e o ilegal, a fraude e o planeamento neste tipo de esquemas é, propositadamente, muito ténue. Mas, para além da legalidade, o que está em causa é a legitimidade de todo o sistema fiscal e, por inerência, do Estado. Como pode um Estado ter credibilidade quando os cidadãos sentem, legitimamente, que o esforço fiscal não recai sobre todos da mesma forma? E como pode um Estado manter uma situação financeira sustentável se a sua base tributária se vai erodindo com a fuga dos que mais podem? Este não é um pequeno problema e, sobretudo, não se resolve enquanto os tabus sobre a livre circulação de capitais, o segredo bancário e a liberalização financeira impedirem qualquer debate sério sobre a matéria.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 30 de abril de 2016

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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