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O Relatório da Dívida

O Relatório da Dívida, que juntou PS e Bloco de Esquerda, pode ser um início promissor de um outro caminho.

O PS começa a admitir que será impraticável a obtenção de crescimento económico, acompanhado pelo aumento de salários, pensões e investimento público, que dinamize a economia do país, e simultaneamente o cumprimento das metas do Tratado Orçamental (com ou sem leituras criativas).

Fazer a “quadratura do círculo” que permita conciliar o inconciliável foi o compromisso assumido pelo PS perante as instituições europeias, quando aceitou as condições da esquerda parlamentar na Assembleia da República para viabilizar o atual governo. Um compromisso que tem sido difícil cumprir, para o PS, e que à semelhança de um caminho que se vai estreitando à medida que o vamos percorrendo, está prestes a chegar à altura em que será impossível percorrê-lo sem ter de procurar outros caminhos.

O Relatório da Dívida, que juntou PS e Bloco de Esquerda, pode ser um início promissor de um outro caminho. Desde já, o PS está disponível para rejeitar as metas do Tratado Orçamental, do limite do défice e à dívida pública, cobertas por um irrealismo sem precedentes, pois segundo as próprias palavras do ex-primeiro-ministro e Presidente da República, Cavaco Silva, o país, para pagar a dívida, nos seus atuais moldes, precisará de 30 anos acompanhados por taxas de crescimento de 3% e saldos primários de 4%, objetivos que o país nunca conseguiu alcançar, e até a poderosa Alemanha, só o conseguiu alcançar em 2 anos, nos últimos 17 anos.

O “garrote” do Tratado Orçamental tem sacrificado a prosperidade económica do país, e ao contrário do alegado objetivo para o qual foi criado, só impossibilita o pagamento da dívida e tem servido unicamente para subjugar politicamente os países endividados da periferia europeia.

Alcançar défices públicos inferiores a 0,5% do PIB e uma dívida pública inferior a 60% do PIB não é um meio para pagar dívida. Será, na melhor das hipóteses, uma meta a ser alcançada por países de grande pujança económica. Não é por acaso que nem países como a Alemanha e a França cumprem tais critérios.

Para que não restem dúvidas, o próprio ex-Comissário Europeu Olli Rehn assumiu que o cumprimento das metas não é o mais importante, o mais importante é a implementação das reformas, precisamente as reformas austeritárias.

O PS, no Relatório da Dívida, acaba por reconhecer que para cumprir as metas do Tratado Orçamental terá de sujeitar o país a medidas de austeridade, o que significa, por exemplo: um aumento de impostos significativo ou uma deterioração da qualidade dos serviços públicos e das prestações sociais.

Algumas das medidas alternativas à austeridade, previstas no Relatório da Dívida incluem: a mudança na política de constituição de provisões do Banco de Portugal; algumas alterações na estratégia da gestão da dívida direta do Estado; a recompra antecipada da dívida ao FMI, alterações na estratégia de gestão dos fundos disponíveis nas Administrações Públicas e a restruturação da dívida através da mutualização de 51,6 mil milhões de euros dos credores oficiais europeus.

É certo que o relatório encerra um conjunto de medidas e princípios que não correspondem, na íntegra, àquelas que são as soluções defendidas pelo Bloco de Esquerda, mas conseguem ter o mérito de colocar o PS a discutir outros caminhos para fazer face à dívida, que não passam pelo “beco sem saída” das metas do Tratado Orçamental. E nem que seja só por isso, valeu a pena chegar a uma posição de princípio anti-austeritária, só possível num governo sem maioria absoluta que privilegia uma postura dialogante e consequente.

Sobre o/a autor(a)

Deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Membro do Bloco de Esquerda Açores. Licenciado em Psicologia Social e das Organizações
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