You are here
“Vivemos ao contrário dos outros”
“Sentimo-nos isolados”
Vítor Gonçalves trabalha nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA), em Alverca, há 20 anos e durante 10 anos trabalhou por turnos encontrando-se agora com um horário fixo.
Na sua opinião, o trabalho realizado fora do horário considerado “normal” levanta muitos problemas porque a vida familiar fica “um pouco para trás” havendo também consequências no estado emocional devido sobretudo à conciliação entre o sono e a vigília.
“Quando trabalhamos em determinados horários ficamos com a sensação de viver ao contrário dos outros e acabamos por ficar mais isolados em termos sociais” afirma Vítor Gonçalves, acrescentando que “no meu caso pessoal tive muitos momentos em que os meus familiares queriam combinar algo mas eu não podia estar presente o que me causava uma enorme frustração”.
Para este trabalhador que muitas vezes sentia alterações de humor devido ao stress provocado pelos horários que tinha de cumprir, a solução para minimizar estes impactos passa inevitavelmente pela contratação de mais pessoal sobretudo para as linhas de produção e, além disso, aumentar o espaço entre os períodos em que as pessoas laboram por turnos.
Vítor Gonçalves aponta ainda o cansaço como um fator perigoso no que diz respeito a este tipo de horários porque potencia os acidentes ou erros que por vezes têm consequências trágicas.
O trabalhador não esquece também alguns casos de suicídio de pessoas que atingiram o limite e entraram em depressão realçando também que o trabalho por turnos é mal remunerado sendo ainda um instrumento de exploração das entidades patronais.
Para ultrapassar esta situação, Vítor Gonçalves afirma que “tem de haver um movimento de cidadania que envolva os trabalhadores, os sindicatos e os partidos” porque só desta forma” será possível inverter o processo de degradação das condições laborais dos trabalhadores”.
“Os trabalhadores não podem ser apêndices das máquinas”
Alexandre Café é operário especializado na Logoplaste e trabalha por turnos desde os 19 anos em horários que abrangem períodos que vão das 7 às 15 horas, das 15 às 23 horas e das 23 às 7 horas.
“Comecei a trabalhar aos 19 pelo que já tenho 24 ou 25 anos consecutivos de trabalho por turnos ou em laboração contínua que é um regime ainda mais penalizador”, diz este operário que refere igualmente as penalizações que este horários provocam na socialização das pessoas.
“Quem como eu começou a trabalhar cedo sente no imediato este problema porque saímos da escola com imensos amigos que perdemos porque deixamos de poder sair aos fins de semana ou ir a festas de aniversário”, afirma reforçando ainda os problemas de natureza familiar, nomeadamente os períodos em que são escassos os contactos com a mulher ou os filhos.
“Embora não seja o meu caso, o trabalho por turnos está na base de muitos divórcios e de situações de desorganização familiar”, refere confessando ainda a sua amargura por “não ter acompanhado o crescimento dos filhos”.
Enquanto dirigente sindical e membro da Comissão de Trabalhadores da Logoplaste, Alexandre Café considera que “se deve trabalhar menos” se tivermos em consideração que “a jornada de 8 horas já tem 100 anos”.
“Não podemos andar para trás e independentemente de haver determinados serviços que nunca podem parar há que ter em conta os setores em que os turnos resultam unicamente da exploração até ao limite dos recursos humanos e técnicos", afirma.
“Os trabalhadores não podem ser olhados como apêndices das máquinas e é preciso combater esta lógica porque há muitas empresas e serviços onde o trabalho por turnos é desnecessário e mais ainda a laboração contínua”, sublinha.
“É preciso regulamentar o trabalho por turnos”
António Maurício trabalha há 26 anos na EPAL e lamenta os problemas que têm a nível de saúde e também de natureza familiar. Em relação aos primeiros refere distúrbios gastrintestinais enquanto na sua vida pessoal não deixa de sublinhar que o seu divórcio se ficou a dever aos horários de trabalho que acabaram por fragilizar a relação com a sua ex-companheira.
“As minhas ausências, nomeadamente aos fins de semana deixavam a minha mulher sozinha tanto mais que ela não tinha carta de condução e nós vivíamos em Arruda dos Vinhos, nos arredores de Lisboa", lembra.
“Esta situação acabou por provocar um défice no convívio com familiares e amigos acabando por levar à nossa separação”, diz António Maurício que faz ainda questão de notar que “nas empresas as chefias não revelam qualquer sensibilidade em relação aos problemas decorrentes do trabalho noturno ou por turnos”.
“Chegam inclusivamente a dizer que é a mesma coisa que fazer um horário normal”, afirma, acrescentando que só quem trabalha neste tipo de horários é que pode ter a noção das suas consequências negativas.
António Maurício realça a necessidade absoluta de “regulamentar o trabalho por turnos”, nomeadamente através de um sistema de reformas antecipadas sem penalizações, além de compensações “mais efetivas”que compensem o desgaste dos trabalhadores que laboram em regime de turnos.
“Apesar de haver situações em que o trabalho por turnos é inevitável, há outras em que este não é necessário e sendo assim esse sacrifício é inútil”, afirma o trabalhador que deixa ainda uma crítica ao facto de muitas vezes os responsáveis das empresas reagirem às queixas dos trabalhadores com observações do género “vocês não querem é fazer nada” ou “ se estão no turno da manhã queixam-se e se estão no turno da noite queixam-se igualmente”.
“Tenho medo de cometer erros”
Ana Almeida é enfermeira há 15 anos num hospital público e confessa-se cansada não pelos turnos porque sabia que os teria de fazer na profissão que escolheu, mas pela falta de pessoal e pela desorganização que impera no local onde desenvolve o seu trabalho.
“Muitas vezes sinto-me angustiada e com medo de cometer erros que na minha profissão são muito delicados porque interferem com o bem estar e a vida das pessoas”, afirma.
“ Não está em causa a dedicação daqueles que trabalham nesta área, mas a verdade é que o serviço público de saúde tem hoje, fruto da austeridade e dos cortes, muita falta de pessoal o que nos obriga muitas vezes a estender o nosso horário de trabalho além do razoável e isso é perigoso porque ficamos mais perto do erro que pode ser fatal”.
Ana Almeida queixa-se acima de tudo do caos reinante e do stress que tal acarreta adiantando como solução a “contratação de mais enfermeiros e a reorganização dos serviços” para limitar na medida do possível os turnos e as noites.
Na sua opinião, as pessoas que trabalham na saúde estão a ser empurradas para a exaustão e refere a existência de casos de esgotamento e depressão entre colegas seus.
Em termos pessoais afirma que lhe sobra pouco tempo para estar com a família e sobretudo com os filhos que estão numa idade complicada uma vez que são adolescentes.
“Têm um pai excepcional que acaba por minimizar as minhas faltas e impaciência mas desgosta-me ter a consciência que o meu papel de mãe está posto em segundo plano devido ao trabalho”, lamenta.
Esta enfermeira sublinha a necessidade de mexer na legislação relacionada com os turnos e o trabalho noturno porque há um limite para tudo.
“Se este for ultrapassado pomos em causa a nossa saúde e tornamo-nos maus profissionais. E eu não quero isso”.
Add new comment