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Mélenchon e como derrotar a extrema-direita francesa
Mélenchon disputou a maioria social com propostas de esquerda. Ficou com 19,6%, um enorme aumento de votação em relação há quatro anos. Ficou a menos de 2% de suplantar Le Pen e assim ir à segunda volta. Portanto, tudo fez para retirar a extrema-direita da segunda volta e esteve bastante perto desse objetivo.
Mas a acusação a Mélenchon revela acima de tudo não perceber a tática da Frente Nacional e, pior, conformar-se involuntariamente à sua música.
Le Pen tem como objetivo reconfigurar a política francesa. Pretende substituir a dicotomia esquerda-direita e respetivas diferenças económicas e sociais, pela dicotomia da identidade nacional. Como diz o sociólogo Sylvain Crépon: quer colocar os que estão pela identidade nacional (nacionalistas, patriotas, soberanistas) contra os que a querem destruir (globalistas, cosmopolitas, pró-Europeus). Este é o caminho que a Frente Nacional quer trilhar para a hegemonia ideológica em França. Se o conseguir fazer, apresentará o seu partido como a alternativa a todos os outros. Sendo que todos os outros serão retratados como o realmente existente, que tão impopular é nas massas.
Não perceber esta premissa da tática de Le Pen é o que coloca tantos no ataque a Mélenchon. É necessário um cordão sanitário aos neofascistas e Le Pen terá que ser derrotada. Coisa bem diferente é a esquerda conformar-se à narrativa da Frente Nacional dos da globalização contra os da identidade. Nesse contexto, um apoio entusiástico a Macron seria um brinde a Le Pen. A esquerda terá que contribuir para a derrota da extrema-direita e isso passa por derrotar Le Pen nas urnas e derrotar a sua tentativa de nova narrativa. Nesse sentido, a esquerda não pode faltar na denúncia a Macron.
Não deixa de ser curioso que muitas destas críticas a Mélenchon provenham do campo político que abriu a auto-estrada à extrema-direita em França. O Governo do PS francês foi de tal forma impopular que Hollande não se atreveu à recandidatura e que Manuel Valls perdeu as primárias para Hamon, a miragem da ala esquerda. Este era o governo que ia mudar a Europa e que se converteu em par de dança de Merkel. O governo que implementou o Estado de Emergência sem fim à vista. O governo que "flexibilizou" a lei laboral. É sobre estes escombros do existente - que se afirmava alternativa à austeridade - que Le Pen passa à segunda volta. O candidato deste partido histórico ficou-se nos 6,35%. Não deu luta à extrema-direita. Faltou à chamada e deixou o campo aberto neste momento tão importante.
Os lamentos da social democracia só podem ser de si própria. À esquerda fica a prova que não está escrito em pedra que a erosão do centro seja a vitória da extrema-direita. Aí está a verdadeira frente desse enorme combate.
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A campanha francesa foi
A campanha francesa foi marcada por uma encruzilhada de eventos imprevisíveis, ou quase. O primeiro dos quais foi o facto de Hollande não se candidatar, e de Vals ter sido afastado nas primárias. Isso abriu uma estrada ao centro para Macron. Se isso não tivesse acontecido, e Fillon não tivesse tropeçado nas questões de nepotismo, teríamos provavelmente um segundo turno Fillon/Le Pen. Que seria trágico. Melenchon cresceu por mérito próprio e devido à decadência do Partido socialista. Agora aquilo de que Melenchon está sendo acusado é de não apelar a votar contra a Le Pen no segundo turno. Para entender essa decisão e alguns outros traços do discurso de Melenchon é preciso pensar que a eleição não termina no segundo turno, mas sim nas legislativas, e Melenchon vai continuar até lá a tentar desviar uma parte do eleitorado popular do Front National. Será que essa estratégia está sendo bem sucedida? Os primeiro indícios não parecem confirmá-lo visto que Melenchon teve os seus melhores resultados em regiões onde a esquerda é tradicionalmente forte. Mas é cedo para concluir que essa estratégia fracassou. De qualquer forma esse esforço da militância parece-me totalmente justificado. Veja-se o que aconteceu com a H. Clinton com a diabolização do eleitorado de Trump. Macron não caíu nesse erro, e esperemos que continue assim. Os partidos tradicionais, nomeadamente o PS, têm de entender que para mudar de política (se é que o desejam) é necessário resgatar o eleitorado popular das mãos do Front National, e mobilizá-lo. Os resultados das políticas de gabinete estão á vista em Bruxelas.
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