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O Município de Lisboa não pode ser um senhorio qualquer!
Sobre o Município de Lisboa, e em particular sobre a sua Câmara Municipal impendem especiais deveres que decorrem da sua condição de entidade pública, vinculada à legalidade e em especial à concretização do direito à habitação contido na Constituição da República Portuguesa. Nunca é demais citar o artigo 65.º, n.º 1 da nossa Constituição: “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.
Com esta vinculação aos objectivos programáticos da Constituição e tendo em conta a importância e centralidade do Município de Lisboa enquanto senhorio na Cidade, exige-se da Câmara Municipal especiais cuidados no tratamento dos seus inquilinos de imóveis destinados à habitação que tenham carências económicas.
Os despejos de habitações municipais são uma triste realidade a que não nos podemos habituar, por mais que afirmemos, como o fez a vereadora Paula Marques, em reunião da 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Municipal que “um dos actos mais difíceis que lhe estão acometidos é a assinatura de despachos sobre despejos”.
No que aos despejos, em sentido amplo, respeita, temos de distinguir duas situações:
1. Os despejos em sentido próprio, na sequência de resolução de contratos de arrendamento;
2. Os despejos que consistem na desocupação de imóveis ilegalmente ocupados.
Quanto aos despejos em sentido próprio, deve ser tida em conta a situação sócio económica dos inquilinos antes de serem tomadas medidas com vista à resolução dos contratos de arrendamento por falta de pagamento de rendas ou ao despejo do imóvel.
Esta avaliação é indispensável para que não se cometam injustiças. A falta de pagamento de rendas constitui um fundamento de resolução do contrato de arrendamento, mas não determina a obrigatoriedade da resolução. É tão só uma faculdade de que o senhorio dispõe.
Ora, a verificação de uma situação de incumprimento deve levar à avaliação da situação sócio-económica do agregado familiar, não devendo, no caso de uma entidade pública como o Município de Lisboa, determinar a resolução do contrato de arrendamento. Antes pelo contrário, a verificação dessa insuficiência económica deve determinar a alteração do valor da renda, ainda que a título transitório, assegurando o direito à habitação a quem manifeste carência económica.
De igual forma, no arrendamento o inquilino pode por termo à mora do pagamento da renda, evitando em algumas situações a resolução do contrato de arrendamento oferecendo o pagamento das rendas em dívida, acrescidas de 50% do valor das mesmas. Mas também aqui se trata de uma faculdade do senhorio, que tratando-se do Município de Lisboa não a deve exigir quando se esteja perante situações de insuficiência económica. Afinal, esta exigência viria ainda prejudicar ainda mais a situação do agregado familiar.
Bem sabemos que o Município de Lisboa tem tido cuidados nesta matéria. Mas a verdade é que tais procedimentos não estão consagrados como obrigatórios nos regulamentos municipais, situação que deve ser alterada, conforme Recomendação apresentada pelo Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Lisboa e aprovada na sua quase totalidade.
Situação diversa, e muito mais complexa, é a dos despejos que resultam de ocupação ilegal e sem título de imóveis do Município de Lisboa.
Este tipo de ocupação infringe todas as regras de igualdade no acesso ao arrendamento de habitação municipal e vem sendo dito que a sua legitimação seria um convite à infracção e bem assim que prejudica quem por vias legais tenta arrendar imóveis municipais e não o consegue. Esta argumentação colhe e tem razão de ser. Mas lança uma interrogação. Como pode tal ocupação ilegal ocorrer nas “barbas” dos serviços da Câmara Municipal?
Estas ocupações ocorrem muitas vezes por o Município não gerir convenientemente o seu parque habitacional, não integrando na sua oferta de arrendamento os imóveis de que é proprietário. E agora impõe-se a pergunta, como se despejam estas pessoas?
É certo que ocuparam ilegalmente. É certo que as carências de habitação são muitas em Lisboa. É certo que a Câmara Municipal não responde. E face a estas certezas, é certo que se deve despejar quem tenha ocupado um imóvel municipal devoluto e esteja em situação de carência económica, numa Cidade onde a habitação é cada vez mais cara e inacessível e onde o Município não responde às necessidades?
A resposta tem de ter por referência que a Câmara Municipal de Lisboa não é um senhorio qualquer. A Câmara Municipal de Lisboa tem responsabilidades acrescidas.
Esta situação foi denunciada por uma Petição dirigida por cidadãos à Assembleia Municipal de Lisboa. O Bloco de Esquerda propôs à Assembleia Municipal de Lisboa, por uma outra Recomendação, que “os despejos de pessoas que ocupem ilegalmente imóveis propriedade do Município, com vista à habitação, sejam suspensos até que estejam garantidas alternativas dignas e adequadas aos agregados familiares, sempre que verificada a situação de carência sócio-económica dos ocupantes e o estado devoluto em que o prédio se encontrasse no momento da ocupação”.
Infelizmente, PS, Independentes (incluindo Helena Roseta), PNPN e MPT votaram contra, inviabilizando esta medida. Nem o CDS e o PSD contrários a tudo quanto lhes pareça ocupação tiveram a coragem de votar contra, optando por uma ineficaz abstenção. Entretanto, o Município de Lisboa continua a comportar-se como um senhorio ou proprietário qualquer, fazendo despejos de gente necessitada de prédios que o Município abandonava…
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