A Universidade que foi o Arsenal do Alfeite

porLuís Filipe Pereira

14 de March 2017 - 1:01
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Dos anos de operário ficou-me a felicidade e o privilégio do contacto com tanta gente com tanto valor e sobretudo a possibilidade de ver a vida por diferentes ângulos.

Limei muito ferro, tracei, furei, rosquei, transformei ferro feio e velho em peças com utilidade, coisas a que hoje ninguém daria a mínima importância.

Lavei muita peça no gasóleo, quando o frio gelava as mãos e também quando o calor tornava quase insuportável estas tarefas obrigatórias a um ajudante de serralheiro mecânico.

Desmontei motores, válvulas de charneira, de segurança e de cunha, rasquei com recurso ao zarcão para mostrar os pontos mais altos com recurso a uma rasca criteriosamente afiada retirando os pontos negros que se sobrepunham quando a cunha roçava no obturador, esta operação era repetida vezes sem conta, colocar o zarcão fechar a válvula e abrir fechar e abrir, observar os pontos negros, rascar até obter uma superfície uniforme, altura em que a válvula estava a vedar convenientemente.

Construí uma parte considerável da ferramenta que utilizava, desde o simples riscador, ao martelo ao serrote ao esquadro à punceta ao punção, fosse punção de bico fosse punção de arrombar ou mesmo encalcadeira ou embutideira e os compassos também os fiz, compasso de pernas, compasso de voltas compasso de perna e bico, fiz chaves de tubo e chaves de fendas com pedaços de aço que sobravam de obras executadas por operários.

Torneei e fresei retifiquei

Executei têmperas e até cementação.

Afiei muita ferramenta de corte.

Foram anos e anos de trabalho que considerei importantes e no entanto aos olhos de hoje é pré-história.

Precisávamos de fazer tudo e agora não precisamos de fazer quase nada os tempos mudaram muito rapidamente, muito repentinamente.

Destes anos de operário ficou-me a felicidade e o privilégio do contacto com tanta gente com tanto valor e sobretudo a possibilidade de ver a vida por diferentes ângulos. O profissional o social e o político e quando hoje um pai de um antigo aprendiz, me diz o meu filho tem 50 anos e foi seu aprendiz quando tinha 14. Passaram 36 anos mas há quem não esqueça. E este simples cumprimento motivou este meu texto que junto a outros que me trazem à memória a minha Universidade que foi o Arsenal do Alfeite.

Luís Filipe Pereira
Sobre o/a autor(a)

Luís Filipe Pereira

Formador/Aposentado da empresa Arsenal do Alfeite. Dirigente do Bloco de Esquerda
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