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O milagre, segundo Teodora

Ao caracterizar como "milagre" a recuperação económica que permitiu alcançar a redução do défice de 2016 para 2,1%, Teodora Cardoso não foi só infeliz. Foi vítima da sua própria infelicidade.

"Teodoro, não vás ao sonoro" poderia ser bullying criativo sobre Teodora Cardoso, não fosse masculino o género. As musculadas opiniões orçamentais da presidente do Conselho de Finanças Públicas (CFP), em volume crescente desde que em 2012 foi nomeada para presidir a um órgão que mais não faz senão legitimar tecnicamente as decisões políticas que entende como certas, trazem a luz que faltava para a transparência das coisas. Agora, ninguém duvida da sua agenda. Ao caracterizar como "milagre" a recuperação económica que permitiu alcançar a redução do défice de 2016 para 2,1%, Teodora Cardoso não foi só infeliz. Foi vítima da sua própria infelicidade. Deve ser muito difícil, insustentável até, ver como falhadas todas as suas previsões de catástrofe e reconhecer os sinais positivos que crescem na aridez do seu particular deserto económico. A sua agenda pariu um défice.

Já muito pouco haveria para dizer perante a "ideologia da racionalidade" apregoada pela presidente do CFP em 2016. Como se ouvia na canção do Teodoro sobre o cinema mudo, ele "diz-nos tudo mesmo assim". Mas quem tem por bom hábito frequentar salas de cinema já terá reparado como o volume é cada vez mais ensurdecedor. Uma febre de ruídos quando o argumento é mau e não cola. A Direita não esconde o embaraço e refugia-se na infelicidade; a Esquerda admira-se que o CFP ainda exista e que Teodora Cardoso não tenha sentido pela permanência do salário a sua querida austeridade no bolso (aquela que, na altura, não era milagre, mas antes remédio santo); Marcelo comenta - por outro bom hábito - que os resultados não se devem a qualquer milagre, mas antes a um "esforço muito grande" que "saiu do pelo e do trabalho dos portugueses". Que saudades deve ter Teodora do tempo das quintas-feiras com Cavaco.

O sonoro tem destas coisas e custa a crer, para os velhos do Restelo. Salvador Sobral ganhou o Festival com uma canção que me parece ter o que de melhor nos deu uma canção vencedora nos últimos anos largos. Suavidade respirada com um arranjo de cordas superior, travo antigo de décadas e da escrita de canções de Luísa. Choveram elogios e críticas, costumeiro amor e ódio com o habitual escárnio das redes. A felicidade é uma canseira. Não sei o que pensará Teodora da canção ou da justeza do seu aprumo. Mas aposto que faz contas rápidas ao ranking da Eurovisão como fez às vírgulas do seu eurodéfice. Até poderá voltar a enganar-se nos números. Mas pergunto-me se, por hábito ou por milagre, olha demoradamente para a cara de felicidade das pessoas.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 8 de março de 2017

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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