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E as SMS de Durão e Núncio?

Se alguém quiser mostrar as SMS de Durão e Núncio, manifesto e desde já não estar interessado.

Enquanto persistir em privatizar a Caixa Geral de Depósitos, o PSD continuará a tentar esventrar as redes, pedir factura detalhada da operadora e espreitar pelo buraco da privacidade do ecrã de mão. Esta nova estirpe de "laranja voyeur" está longe de querer saber da responsabilidade política dos detentores de cargos públicos. Se quisesse mesmo saber sobre quem-oculta-o-quê-a-quem-e-de-que-forma, não teria puxado o lustro ao foguetório no momento em que Durão Barroso girou para o banco Goldman Sachs, decidido a continuar o bom serviço dos seus anos heróicos na Comissão Europeia (CE). Emily O"Reilly, provedora de Justiça Europeia, abre agora inquérito à actuação da CE na avaliação da velocidade da porta giratória de Durão. Passos Coelho ainda considerará irrevogável a declaração em que se atira a fundo a quem critica o comportamento de Durão, aqueles que seguem "mostrando aquilo que a política tem de pior" (dixit). Sem aparente conflito de interesses, "Bilderberg" Barroso acumulava já 22 funções pouco antes de sair do púlpito da CE. E é também por isso que um novo código de conduta não chega.

Enquanto persistir em zelar pela moralidade dos offshores, o CDS-PP continuará a praguejar que a notícia sobre os 10 mil milhões de euros que fugiram ao controlo da Autoridade Tributária é plantada na Comunicação Social pelo actual Governo. Neste caso, pode pedir responsabilidades à irresponsabilidade social da zona franca da Madeira que tanto acarinha. O "erro de percepção" de Paulo Núncio é francamente assustador mas surge apenas quando o "sacudir do capote" é desmentido pelo seu ex-director-geral da Autoridade Tributária. Núncio não madrugou com a notícia. O ex-secretário de Estado centrista alinhou então em velocidade de transferência bancária, par de dígitos horários, por algumas das fases típicas do luto. Acabou resignado: negou, negociou internamente e aceitou. Longe da depressão ou da raiva até porque nenhum sentimento fúnebre assolou a sua líder de partido, mais interessada em enaltecer serviços prestados e elevação de carácter. E é também por isso que um novo código de acesso às Finanças não chega.

Quando tudo está claro, sobra ainda a demagogia que atira aos pratos para salvar a refeição. Nestes casos, tal como na Caixa Geral de Depósitos, prescindo. Se alguém quiser mostrar as SMS de Durão e Núncio, manifesto e desde já não estar interessado. Sem qualquer processo a correr na Justiça, pelo menos que não se afundem princípios constitucionais basilares. Ninguém precisa de cavar consequências políticas privadas de uma cova pública que vai bem funda.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 1 de março de 2017

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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