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José Afonso, um cantor de valores

A maior herança que nos deixa é a sua obra, em musicalidade e conteúdo, que se revaloriza e se renova dia a dia pelos diferentes grupos e cantoras/es que continuam a beber da sua fonte, que parece inesgotável. Tem grande impacto e influência na Galiza. Por Francisco Peña (Xico de Carinho).

O primeiro contacto

O primeiro contato com as músicas do Zeca foi talvez em finais dos anos 60, ou princípio dos anos 70. Ouvi, através de um amigo músico, galego, algumas canções do Zeca, do seu repertório popular. Lembro-me da canção “Natal dos simples”.

Depois conheci pessoalmente o Zeca no inverno de 1970, sendo eu estudante de etnomusicologia e músico do cantor brasileiro G.Vandré, na altura exilado na capital francesa. O Zeca atuava na faculdade da Sorbonne, onde fui apresentado pelo músico galego Bibiano, que o acompanhava com o violão. Pouco depois assisti ao Festival da Chanson Portugaise de Combat na Maison de la Mutualité, que teve lugar em Paris em novembro de 1970, e no qual também participavam o Zé Mário Branco,S o Sérgio Godinho, o Francisco Fanhais, o Tino Flores e o Luis Cília.

Fui saudá-lo e perguntei-lhe se me podia dar informações sobre a música portuguesa, popular e de intervenção, que eu estava interessado em conhecer de mais perto. O Zeca disse-me que não era o mais indicado, porque não tinha estudos musicais e também porque não morava em Paris. Apresentou-me ao Luis Cília, dizendo que ele me poderia dar as informações de que necessitava.

A cumplicidade que se criou

No meu regresso à Galiza, retomei novos encontros com o José Afonso, que resultaram numa relação bastante continuada. Em 1977, e como organizador do evento, viajei a Setúbal para convidá-lo a participar no Festival galego-luso-brasileiro ( A Coruña,1977), com réplica em Vilagarcia de Arousa, dias depois. E, no ano seguinte, repeti a viagem para atuar no Festival dos Pobos Ibéricos ( A Coruña,1978) onde o acompanhei em “Lá vai Jeremias”.


Festival dos Pobos Ibéricos. Na foto, da esquerda para a direita: músicos e irmãos Arzak (Euskadi), José Afonso, Marina Rossell (Catalunha), Xico de Carinho, Bibiano (Galiza), Enrique Morente (Andalucia) e músicos.
 

Encontrámo-nos em outras atuações: Redondela, Santiago, Vigo, Coimbra, Setúbal, Festa do Avante de Lisboa, Porto, Viana do Castelo… e em visitas particulares à sua casa de Azeitão, especialmente no ano 85, quando já doente, altura em que estive vários meses a tirar um curso de pedagogia musical em Lisboa.

Festival dos Pobos Ibéricos. José Afonso e Xico de Carinho.

No primeiro encontro em Setúbal, em 1977, estava em condições precárias de ânimo, pelo menos musicalmente falando. A uma pergunta que lhe fiz sobre a música a sua resposta foi: “Em Portugal já não se faz música pelo desespero revolucionário”.

Zeca Afonso: Personalidade de múltiplas facetas e valores

Não é fácil apreender a personalidade de José Afonso, pessoa de múltiplas facetas, e responder a uma pergunta tão englobada. Gostava do encontro com os amigos e era muito bem humorado. Como cidadão era o paradigma da solidariedade e do compromisso social, sempre bem disposto a atender as necessidades da gente e a colaborar com as coletividades e associações populares. Lembro que estava muito preocupado com a situação das cooperativas camponesas do Alentejo e fazia campanha solidária e de apoio em concertos, também na Galiza, levando autocolantes para arrecadar fundos. Também quando organizámos em Vigo o Festival “Galiza a José Afonso”, a 31 de agosto do 1985, pôs a condição de que fosse de utilidade para a defesa da cultura galega e de que se convidasse um grupo de Timor Leste, para eles poderem expor a sua problemática.

O Zeca mandou uma nota solidária, que se leu durante a iniciativa: "... a minha grande amizade pela Terra e povo galego, com o qual ao longo dos anos mantive as melhores relações, e para manifestar também a minha inteira solidariedade com a luta pelo reconhecimento efetivo da língua e cultura galegas..." (Azeitão, 30 de agosto de 1985).

José Afonso, o cantor de valores

José Afonso, o cantor de valores: solidariedade (Grândola, Utopia, Cantar Alentejano, A morte saiu à rua…), compromisso (Alípio, O que faz falta, Enquanto há força, Os vampiros...). Personalidade de múltiplas facetas e valores. De difícil interpretação, porque era tudo de uma vez, pessoa, cidadão, cantor, criador,… Não era músico profissional, mais sim intuitivo.

Não estava interessado no que rodeava a música, o marketing, o palco… e sim no aspecto social, de encontro, de situações solidárias,….

A sua OBRA é de valor universal: de qualidade e originalidade quer no aspecto musical quer na poesia. Mantém a sua vigência em valores humanos e exemplo de cidadão solidário e comprometido socialmente.

“Não se sentiria justificado como cantor se não se justificasse como cidadão”(José Afonso)

A maior herança de Zeca Afonso

A sua obra, em musicalidade e conteúdo, que se revaloriza e se renova dia a dia pelos diferentes grupos e cantoras/es que continuam a beber da sua fonte, que parece inesgotável. Tem um grande impacto e influência na Galiza, desde os Vozes Ceives (Benedicto, Bibiano) aos poetas e músicos atuais.

Com o Zeca e a Zélia. Azeitão, 1985.

Em 1985, entrevistei-o para A Nossa Terra, jornal galego em que eu colaborava. Pedi-lhe para escolher, entre as suas canções, as mais representativas, segundo as características:


*Francisco Peña (Xico de Carinho), músico, dirigente da AJA
- Coordenador musical da homenagem “Galiza a José Afonso” Vigo,1986.

-Participação na Unidade didática sobre José Afonso. Vigo,1987.

- Participação no CD “Galiza a José Afonso” Ed. Do Cumio.Vigo,1999

- Gravação de “Balada do sino” (J. Afonso), no CD “Rolada das cantigas” do grupo Na Virada. Vigo,2001).

- Sócio da AJA desde a sua fundação. Setúbal,1987.

Testemunho enviado ao Esquerda.net a 20 de fevereiro de 2017.

(...)

Neste dossier:

Zeca Afonso: Sem muros nem ameias

Um homem comprometido com a luta pela Liberdade. Um homem bom e humilde, solidário, com um enorme sentido de humor. Um criador nato, um génio. É assim que o descrevem músicos, ex-alunos, jornalistas... os Amigos do Zeca Afonso com quem o Esquerda.net falou. Dossier organizado por Mariana Carneiro.

Zeca Afonso: A incessante tentativa de transformar o mundo

As letras das músicas de Zeca Afonso, os seus poemas, as declarações prestadas nas inúmeras entrevistas que concedeu ao longo da sua vida, todos os seus testemunhos, não só nos dão a conhecer um pouco mais o seu percurso, a sua forma de estar na vida, a sua incessante tentativa de transformar o mundo, como também retratam a intemporalidade do seu contributo.

José Afonso: O Homem, o Professor, o Companheiro, o Amigo

No dia da sua partida, ia apanhar o comboio, de regresso, mas, quando chegou à estação, tinha uma quantidade de gente – população e alunos – a querer despedir-se do professor e do homem. Por Francisco Naia.

Com o Zeca Afonso aprendi a estar no palco e na música de modo diferente

O palco como espaço de partilha, não só entre músicos mas com o público; máximo rigor na prestação musical, inovação constante rejeitando «importações» alienantes preservando a nossa identidade, sempre valorizando a palavra. Por Janita Salomé.

Zeca Afonso em vídeo

Neste artigo, poderá aceder, entre outros, ao vídeo do concerto do Zeca Afonso no coliseu, em Lisboa, em 1983, a entrevistas concedidas pelo próprio à RTP e a uma televisão espanhola, assim como a um testemunho de Mário Viegas sobre o Zeca e a alguns tributos que lhe foram prestados após a sua morte.

Zeca Afonso, a força das palavras

O Esquerda.net relembra o grande artista e ativista e reproduz uma entrevista na qual Zeca fala sobre a necessidade de os jovens se oporem a um modelo de sociedade que é “teleguiado de longe por qualquer FMI, por qualquer deus banqueiro”.

“Quando eu cantava o fado na rua não nos livrávamos da polícia”

O esquerda.net republica a entrevista de Maria Eduarda a Zeca Afonso publicada na edição nº145 de 9 de dezembro de 1981 do jornal “em marcha”.

Zeca Afonso era de uma grande coragem física e intelectual

Questionado pelo Esquerda.net sobre qual é a grande herança do Zeca Afonso, Carlos Guerreiro responde: “Era um gajo muito bom. Era farol mas também era regaço, era riso mas também era profundidade intelectual. Era o Zeca, pá! Era um homem bom e humilde”.

O que aprendi de mais importante com o Zeca tem a ver com uma postura em relação ao mundo

No testemunho recolhido pelo Esquerda.net, o cantor Manuel Freire recorda a primeira vez que cantou com o Zeca e lembra o amigo como “um fulano normal que era um grande intérprete e um grande criador”.

Zeca Afonso foi estruturalmente um homem de cultura

Em conversa com o Esquerda.net, o arquiteto José Veloso fala sobre o seu convívio com Zeca Afonso aquando da participação de ambos no documentário do realizador de cinema Cunha Telles “Os Índios da Meia Praia”.

Zeca Afonso: Grande admiração pela juventude

Júlio Pereira recorda o seu melhor amigo, e como era fundamental para a sua criatividade estar rodeado de jovens e de coisas novas. O músico assinala ainda a forma como Zeca Afonso sente de uma maneira catastrófica a falência do 25 de Abril.

O Zeca era um inovador nato

Em conversa com o Esquerda.net, Sérgio Godinho afirma que a importância de Zeca Afonso "passa também por ele ser tão inovador, tão inventivo na maneira como compunha e tão surpreendente”. O músico deixa um conselho: “Ouçam o Zeca, vale a pena!”

Que viva o Zeca

De tanto se falar em José Afonso, o artista, por vezes corremos o risco de esquecer o Zeca, o ser inteiro. Por Viriato Teles.

Zeca Afonso: Um homem comprometido que fez da sua arte uma luta

Em entrevista ao Esquerda.net, Rui Pato fala sobre o seu companheiro de música e de estrada: “é um símbolo da liberdade e da luta pela liberdade. Sobre o ponto de vista musical, ele é que atirou a pedrada ao charco. Há música portuguesa antes do Zeca Afonso e depois do Zeca Afonso”.

Zeca Afonso: Instantes de vida

Com o Zeca, companheiro-intérprete de uma geração, aprendíamos as canções pilares de resistência, de esperança. Nas palavras certas para dizer revoltas e sonhos cabiam revolucionários, pacifistas… e todos os homens de boa vontade. Por Maria Antonieta Garcia.

Zeca Afonso: Um grande amigo e um homem extraordinário

Luís Cília refere a grande amizade que o une a Zeca Afonso. A enorme qualidade do seu trabalho “deixa grandes marcas na cultura portuguesa”, assinala o compositor e intérprete no testemunho que deu ao Esquerda.net.

Ação ou Acção ou há são

Sempre gostei de agir atuar e falar tal cumo Zeca escrevia cantava tocava atuava agia na clandestinidade depois no sucesso daí nossa amizade simples”. Por José Duarte.

Encontrei no Zeca Afonso um dos melhores seres humanos que alguma vez conheci

Num testemunho enviado ao Esquerda.net, Jorge Palma afirma que “quanto ao seu trabalho enquanto criador, a sua voz clara e sincera, o seu constante combate pela Liberdade, só temos de lhe ficar eternamente gratos e seguir o seu exemplo”.

Vejo sobretudo o Zeca como um músico e um poeta extraordinário

Em declarações ao Esquerda.net, Joaquim Vieira sinalizou que, enquanto músico, Zeca Afonso “reunia três qualidades: a poesia, a música e a voz”. “Nessa medida foi insuperável, ninguém chegou ao nível dele”, destaca o jornalista.

Zeca Afonso: As suas aulas eram absolutamente revolucionárias

Hélida Carvalho foi aluna de Zeca Afonso no Liceu Nacional de Setúbal durante cerca de dois meses, até o seu professor de Organização Política ser preso pela PIDE. Ao Esquerda.net descreve o primeiro contacto com a “ave rara”.

O Zeca passou a vida a dar-me conselhos

O encenador e diretor artístico Hélder Costa conheceu Zeca Afonso em Coimbra, na República do Prá-Kis-Tão. Já o último encontro teve lugar em Azeitão: foi “num dia absolutamente tétrico”, aquando da eleição de Cavaco Silva com maioria absoluta.

José Afonso, um cantor de valores

A maior herança que nos deixa é a sua obra, em musicalidade e conteúdo, que se revaloriza e se renova dia a dia pelos diferentes grupos e cantoras/es que continuam a beber da sua fonte, que parece inesgotável. Tem grande impacto e influência na Galiza. Por Francisco Peña (Xico de Carinho).

Fazemos da saudade e da memória do Zeca Afonso uma arma

Francisco Fanhais fala-nos da sua cumplicidade com o Zeca Afonso, dos vários momentos em que partilharam o palco, da gravação do álbum “Cantigas do Maio”, dos tempos do PREC, da participação nas campanhas de dinamização cultural do MFA.

Zeca Afonso: Ode à alegria

No caso do Zeca Afonso nunca resultaram os guetos de silêncio a que tentaram condená-lo, desde antes de Abril, quando a censura cortava o seu nome, impondo-lhe a morte do silêncio, tão pouco com os silêncios de matriz "democrático" por via da incomodidade do seu canto insurrecto. Por Fernando Paulouro Neves.

Para o Zeca

Digo-to, também por ti, para que saibas que a tua força não se acabou quando te foste, e enquanto houver memória, haverá força para ir longe, bem longe, mesmo além de Taprobana. Por Camilo Mortágua.

Sobre o Zeca Afonso

O que nos unia? Sei que nunca por nunca tentámos “converter-nos” um ao outro a opções religiosas ou ideológicas; tínhamos em comum o ideal que Mário Sacramento sintetizou naquela recomendação lapidar: “Por favor, façam que o mundo seja bom”. Por António Correia.

AJA celebra 30 anos a evocar a Obra e o exemplo de cidadão de José Afonso

Em declarações ao Esquerda.net, o presidente da direção da Associação José Afonso (AJA), Francisco Fanhais, afirma que a AJA tem como objetivo “dar continuidade ao legado do Zeca, preservar a sua memória e pôr a sua arte ao serviço da cidadania”.