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Ajudas de Estado não são para quem quer...

Há um princípio muito querido à Comissão Europeia, conhecido como o princípio da não-ajuda de Estado. Na prática, tem sido o instrumento para impedir o investimento dos Estados nos seus bens e serviços estratégicos.

Há um princípio muito querido à Comissão Europeia, conhecido como o princípio da não-ajuda de Estado. Em teoria, a regra garantiria a "justa" concorrência entre privados. Na prática, tem sido o instrumento para impedir o investimento dos Estados nos seus bens e serviços estratégicos, obrigando à sua privatização.

Em Portugal, foi a aplicação desta regra que determinou a venda da golden-share na Portugal Telecom, que impediu o investimento na TAP, ou que obrigou à venda do Banif. Por ironia, o Banif, um pequeno banco português, foi vendido ao Santander, um gigante europeu, tendo o Estado contribuído com 3000 milhões de euros para o comprador.

É também apesar do princípio da "não-ajuda" que tem sido permitido ao Estado português manter o Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM) desde 1987. Falamos de um regime de 0% de IRC (ou 5% a partir de 2015), sujeito a algumas regras de criação de emprego que levam o Governo e a Comissão a defender que o mesmo não é um offshore.

Uma recente investigação do canal noticioso alemão Bayrischer Rundfunk (BR) veio provar precisamente o contrário. O BR criou uma base de dados com todas as empresas registadas ao abrigo do regime fiscal da Madeira e chegou a uma conclusão pouco surpreendente: a Madeira não funciona como um regime de atração de emprego e investimento, mas sim como um offshore, para onde empresas se deslocam para pagar menos impostos através de esquemas pouco transparentes.

Na realidade, o CINM alberga centenas de empresas que partilham entre si a mesma morada e os mesmos administradores. Nos últimos cinco anos, a Avenida Arriaga n.º73-77 foi sede de 800 empresas e, segundo o BR, há administradores responsáveis por mais de 300 empresas. É necessário acrescentar que, em grande parte dos casos, estas empresas fazem parte de complexas redes com ligações a outros offshores, como o Luxemburgo, as Ilhas Virgens Britânicas e o Panamá.

E os trabalhadores? Segundo uma consultora contactada pela BR, para além da morada e dos administradores, as empresas também partilham trabalhadores, de forma a contornar as regras estabelecidas.

Alguns dos nomes apontados como tendo ligações ao regime da Madeira estão os veículos Kardzali, Anadyr Overseas, Galactic Leisure e Lap Overseas, que pertencem, respetivamente, aos jogadores Xabi Alonso e Javier Mascherano, ao ex-secretário-geral da FIFA Valcke, e a um antigo tenente de Kadhafi. Há ainda referências a várias holdings de Isabel dos Santos.

O CINM não é melhor nem pior que outros offshores que funcionam na UE ao abrigo da hipocrisia dos seus governantes. Afinal, a ajuda do Estado não é para quem quer, mas só para quem pode.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 21 de fevereiro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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