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Sísifo e o castigo de Schäuble

A Grécia é hoje a face mais visível do sádico radicalismo das instituições europeias.

Depois de três programas de ajustamento e austeridade sem fim, a Grécia perdeu 25% da sua riqueza e metade dos jovens estão no desemprego. Praticamente todos os bens e serviços públicos - de monumentos e transportes a hospitais - foram colocados em fundos diretamente geridos pelas instituições europeias. O objetivo é vender a saldo, sendo que as receitas estão obrigatoriamente alocadas ao pagamento da dívida pública.

Apesar de tudo isto, a dívida pública grega ultrapassa 170% do PIB. É um sorvedouro de recursos. Dos dois primeiros empréstimos à Grécia, só 10% serviram para pagar despesas correntes, tudo o resto foi direcionado para resgatar a banca e suportar os juros especulativos cobrados ao país.

Quase dez anos depois, a Grécia não passa de um joguete nas mãos de Schäuble, ministro alemão das Finanças, e de Lagarde, presidente do FMI. Ambos sempre souberam que a dívida grega era insustentável. Mas foi só depois de 2015 que o FMI o admitiu. Segundo os seus cálculos, atingirá os 275% do PIB em 2060, e o Fundo só aceita entrar em novos empréstimos se for alvo de uma reestruturação considerável. Em troca, o FMI pede mais liberalização das relações laborais, mais reformas nos sistemas de pensões, mais privatizações.

A Alemanha, por seu turno, nem quer ouvir falar de reestruturação da dívida e exige à Grécia um saldo primário de 3,5% do PIB. Ou seja, muito mais austeridade em cima daquela que destruiu o país. De outra forma, ameaça Schäuble, a Grécia terá de sair do euro.

Vale a pena relembrar que já no final do ano passado tinha havido uma espécie de acordo para um minialívio da dívida grega. Mas, à última hora, o Eurogrupo não deixou. Porquê? Porque o Governo grego decidiu pagar o 13.º mês aos pensionistas mais pobres, distribuir refeições aos alunos mais carenciados, e adiar a subida do IVA nas ilhas afetadas pelos fluxos de refugiados.

Agora, ao que parece, há um novo acordo nas instituições europeias. A Grécia terá de se comprometer com mais 1800 milhões de cortes em 2017, e outro tanto em 2018. São 327 euros de cortes por pessoa, num país onde uma em cada três é pobre.

Como Sísifo, condenado a empurrar uma enorme pedra que, uma vez atingido o cume da montanha, voltará sempre a rolar para o fundo, a Grécia é hoje a face mais visível do sádico radicalismo das instituições europeias. Não é grande currículo para esta Europa, que se acha no direito de dar lições de democracia ao Mundo. É um mau prenúncio que se concretiza.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 14 de fevereiro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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