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Externalização, responsabilidade e democracia

A externalização da actividade das autarquias locais acaba por se traduzir numa transferência de responsabilidade política perante as populações relativamente à qualidade e eficiência das actividades externalizadas.

Veio a público uma acusação em processo-crime deduzida pelo Ministério Público contra vários antigos autarcas relativa ao alegado recebimento indevido de senhas de presença e despesas no âmbito da sua participação na Associação de Municípios do Planalto Beirão e na empresa Eco Beirão. Como me parece do mais elementar bom senso, escuso-me a comentar os contornos deste processo e reafirmo o princípio da presunção de inocência até sentença condenatória transitada em julgado.

Mas esta acusação tem outros contornos, de natureza política, que podem e devem ser explorados. É que os factos relatados na acusação respeitam a uma forma de fazer política autárquica que fere a democracia. Com efeito, a opção pela prossecução de atribuições e a outorga de competências dos Municípios através da sua externalização no sector empresarial local e noutras entidades tem sido uma prática disseminada nas nossas autarquias.

Tal externalização da actividade das autarquias locais conduz a uma mediação entre os eleitores e os decisores de facto, que deixam de ser os autarcas enquanto agentes políticos directamente eleitos pelas populações.

Por outro lado, o controlo democrático das oposições e das assembleias deliberativas, órgãos fiscalizadores por excelência, é diminuído. Na verdade, em regra as oposições e os representantes dos órgãos deliberativos das autarquias locais não têm assento nos órgãos destes veículos de externalização que são as empresas do sector empresarial local e outras entidades.

Acresce ainda que a externalização da actividade das autarquias locais através de empresas do sector empresarial local e outras entidades por si controladas serve também, muitas vezes como veículo de fuga do Direito Público, cujas regras de contratação de pessoal e de aquisição de bens e serviços são tendencialmente mais rígidas e transparentes.

Por último, a externalização da actividade das autarquias locais acaba por se traduzir numa transferência de responsabilidade política perante as populações relativamente à qualidade e eficiência das actividades externalizadas. É que a culpa deixa de ser da “Câmara” (para onde todos votam) e passa a ser da “associação, da fundação ou da empresa”, entidade para a qual as populações não escolhem directamente os responsáveis, ainda que o Presidente de Câmara e o Administrador da “empresa” sejam a mesma pessoa.

Artigo publicado no “Jornal do Centro”

Sobre o/a autor(a)

Advogado, ex-vereador a deputado municipal em S. Pedro do Sul, mandatário da candidatura e candidato do Bloco de Esquerda à Assembleia Municipal de Lisboa nas autárquicas 2017. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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