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A abstinência sexual, o aborto, a educação sexual e as cegonhas
Fiquei a saber, porque mais claro seria difícil, que Alonso Miguel deve ter lido, na diagonal, o meu artigo de opinião sobre a abstinência sexual e a JP, porque se tivesse tido um pouco mais de atenção, teria reparado que coloquei, logo à partida, duas hipóteses para explicar a posição da JP quanto ao referencial, em fase preparatória, para a educação sexual: ou a JP estaria a propor algo que já existe ou pretende ir mais além nas suas intenções.
Parti do princípio que a JP quereria ir mais além do que a simples inclusão da possibilidade de alguém se abster de ter relações sexuais – e decerto que não se referem aos métodos de abstinência periódica, apesar de serem os únicos aprovados pela Igreja Católica – porque também são mencionados, no parecer da JP, outros aspetos que não somente a abstinência, e que conjugados configuram uma lógica muito próxima daquela que é defendida por alguns grupos de pressão norte-americanos associados aos ‘juramentos de virgindade’. Portanto, fica demonstrado que fui muito mais além dos títulos sensacionalistas dos jornais para conhecer o conteúdo do parecer da JP sobre a educação sexual nas escolas.
De entre os outros aspetos, por mim, criticados, e que nem mereceram a crítica de Alonso Miguel, destaco, desde logo, a leitura enviesada feita pela JP sobre a abordagem que é feita à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG – ou aborto) nas escolas, confirmada pela opinião de Nuno Melo Alves que insiste e persiste na ideia de que os valores que defende para si, e que são indiscutivelmente respeitáveis e legítimos, sobre o aborto coincidem não só com os alegados valores imutáveis da sociedade portuguesa, pelo que são os únicos admissíveis e, por isso, também os únicos válidos cientificamente, quando o princípio no qual assenta a sua crença (o começo da vida) não é consensual, e muito menos unânime, inclusive na comunidade científica e, pasme-se, até mesmo na Igreja Católica que ao longo da sua história foi transformando o seu critério para definir a partir de quando surge a vida.
Nuno Melo Alves incorre no preconceito, ou na ignorância propositada, para acusar quem defende a possibilidade de alguém recorrer à IVG (aborto) de o fazer porque a considera como mais um método contracetivo. Ora, tal enquadramento da IVG enquanto método contracetivo só se dava no período anterior à descoberta e utilização generalizada dos métodos contracetivos modernos, o que explica, em grande parte, o testemunho, quase anedótico, de pessoas de mais idade que se declaravam contra o aborto, mas a favor dos “desmanchos”.
Nuno Melo Alves acusa a escola de arrogar-se ao direito de impor valores, mas, escudado numa suposta hegemonia social de determinados valores, defende a imposição da superioridade moral da abstinência, o que transformaria a educação sexual numa instrução para os valores certificados por personalidades tidas como idóneas.
Se à escola não compete transmitir outros valores que não os valores associados à convivência numa sociedade democrática: a compreensão do outro, a tolerância face a quem tem opiniões e valores diferentes e o respeito pelo próprio e pelos outros, às famílias, por sua vez, competirá a transmissão dos valores que considerarem como os mais adequados. Esta é a condição essencial para que a família se assuma como o espaço privilegiado para a transmissão de valores e a escola como o meio para o debate desses valores, naquela que é uma oportunidade para que crianças e jovens consigam perceber que os seus pares tanto poderão defender e adotar valores semelhantes como totalmente diferentes, quando não mesmo divergentes.
Se para Nuno Melo Alves, no nosso país é dada informação de natureza sexual demasiado cedo (aos 5 anos de idade), então não será conveniente ir para além das metáforas que envolvam cegonhas que vêm de Paris com os nascituros pendurados pelo bico, envolvidos por uma fralda, pois julgo ser essa a resposta que considera que deverá ser dada a um menino ou menina, entre os 5 e os 12 anos, que queira saber de onde vêm os bebés.
A extrema-esquerda não pretende impor o quer que seja, nem mesmo a homossexualidade – uma orientação sexual tão válida como a heterossexualidade e a bissexualidade (se é que ainda fará sentido tal categorização) – ou melhor, o que defende a extrema-esquerda sobre a educação sexual não é mais do que a OMS também defende tal como o partido democrata nos EUA, por conseguinte, o modelo de referência para a educação sexual, tão criticado por Nuno Melo Alves, não é impositivo nem a extrema-esquerda é o seu autor.
Por fim, gostaria de salientar que poderia, e não o fiz, misturar este debate, sempre muito pertinente e interessante, com submarinos e coisas irrevogáveis, porque seria misturar “alhos com bugalhos” numa clara manobra de distração para disfarçar a fragilidade dos argumentos.
Artigo disponível em acores.bloco.org
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