You are here

Almaraz Nuclear: não comer nem calar

A batalha mediática à volta de Almaraz revela governantes fracos, governos sujeitos à vontade de poderosas empresas de energia e, acima de tudo, uma gigantesca ameaça sob as populações de dois países.

A bomba-relógio atómica que é Almaraz, com as suas centenas de falhas ao longo dos anos, já ultrapassou em 6 anos o seu prazo de validade e está agora ameaçada de prolongamento (e com ela todos nós), durante pelo menos mais uma década. A construção de um aterro nuclear na central, feito à revelia da lei e representando o desprezo total com que o governo espanhol tratou o governo português, é a materialização da continuação da central nuclear em funcionamento. O governo português ensaiou uma resposta que foi apenas a preparação para comer e calar. Mas nós não podemos aceitá-lo.

A Central Nuclear de Almaraz é um dos poucos consensos nacionais: todos os partidos representados no Parlamento aprovaram uma moção a exigir o fim da Central Nuclear de Almaraz, que usa o rio Tejo para se refrigerar e que assim o contamina, a 100 km da fronteira com Portugal. Se houver um acidente sério em Almaraz, o país ficará partido ao meio: os milhões de pessoas que vivem nas margens do Tejo estarão expostas e a radiação atmosférica, segundo os ventos predominantes, virá principalmente na direção da Portugal.

A posição do governo português é tragicómica: a bravata ensaiada pelo ministro do Ambiente, José Matos Fernandes, dizendo que não ia a Espanha discutir uma decisão já tomada, a de construir o aterro de resíduos nucleares, foi desmascarada pelas movimentações sociais dos vários movimentos, nomeadamente o Movimento Ibérico Anti-Nuclear. Matos Fernandes foi obrigado a ir a Espanha e a ter uma confrontação com os ministros do Ambiente e da Indústria do qual, saiu, naturalmente, derrotado (o seu ponto de partida era ter ensaiado um "agarrem-me senão eu vou-me a eles", em que ninguém o agarrou, e portanto estatelou-se). Esta posição ocorreu depois de meses em que os movimentos alertaram o governo português para o que se passava em Almaraz, nomeadamente para o facto do aterro já estar a ser construído mesmo antes de toda esta polémica, sem qualquer avaliação de impacto ambiental e sem sequer a cortesia de ter informado Lisboa (e o governo já tinha feito chegar há meses a Madrid o pedido do encerramento da central). Comer e Calar. A queixa na Comissão Europeia é isso mesmo: comer e calar. Está mais próximo o fim da União Europeia que o fim de uma queixa destas que, com toda a probabilidade, culminará uma decisão à la União Europeia: é do domínio das relações bi-laterais entre Portugal e o Estado Espanhol, resolver o problema. A avaliação de impacto ambiental do aterro e da própria central nuclear nunca poderão esconder o facto de que um aterro nuclear no Tejo irá sempre perder matéria radioactiva para o rio, pelo simples facto de que os resíduos nucleares de uma central demoram entre 24 mil anos (Plutónio) e 4 mil milhões de ano (Urânio-235) a perder metade da sua radioatividade. É de duvidar que quer as empresas quer os próprios Estados existam durante ospróximos 24 mil, já que há 24 mil anos a espécie humana não fazia agricultura nem sabia escrever.

Esta queixa representa um importante recuo do governo em relação ao país e ao consenso sobre Almaraz: as pessoas não querem apenas que o aterro seja cancelado, querem que a Central seja fechada! Para compor o ramalhete, o Secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, chegou mesmo a dizer que a população e os movimentos anti-nuclear estavam a exagerar e que não havia problema com Almaraz porque, em caso de acidente, o raio de evacuação era de 30km. Alguém deveria ter feito um briefing a Jorge Gomes para lhe relembrar dos acidentes nucleares de Chernobyl e de Fukushima (ambas centrais consideradas "seguras", antes de matarem milhares de pessoas e tornaram regiões inteiras inabitáveis) e que as centrais nucleares não estão dentro de bolhas de seguranças, isto é, que qualquer acidente sério em Almaraz contaminará todo o rio Tejo, desde Espanha até Lisboa, e que além disso a atmosfera é um óptimo meio de dispersão de radiação nuclear.

O governo português revelou-se absolutamente inábil na diplomacia internacional, subjugando-se repetidas vezes à vontade do governo espanhol, que neste caso não representa o povo espanhol, mas as proprietárias da Central Nuclear de Almaraz – Iberdrola, Endesa e Gas Natural Fenosa, que lucram 1 milhão de euros por dia com o funcionamento da central obsoleta e perigosa (e que pretendem continuar a lucrar).

É importante pensar não apenas como apertar com o governo espanhol (e a queixa à Comissão Europeia faz muito pouco nesse sentido, sendo apenas um pró-forma e que nem tem como objeto principal a Central Nuclear), mas como cortar também o intermediário e ir às proprietárias: Iberdrola, Endesa e Gas Natural Fenosa.

A Iberdrola tem investimentos em Portugal, alguns bastante catastróficos como o Complexo Hidroeléctrico do Alto Tâmega, a Central de Ciclo Combinado da Figueira da Foz e também outros projetos energéticos, incluindo comercialização de energia e gás. A Endesa é um comercializador de energia em Portugal, com 150 mil clientes. A Gas Natural Fenosa também está no mercado nacional de energia. Estas empresas, donas da Central Nuclear de Almaraz, passam por entre os pingos da chuva em toda a polémica, que parece uma disputa entre dois estados mas que é principalmente uma disputa entre duas populações e três multinacionais.

Não é com bravatas nem com queixas formais que se vai resolver Almaraz. É preciso parar de comer e calar. Os movimentos portugueses e espanhóis farão a sua parte e reunir-se-ão em Lisboa a 4 de Fevereiro para discutir como avançar e fechar Almaraz. É importante no entanto que o governo português, que tem um claríssimo mandato popular, enfrente Rajoy, a Iberdrola, a Endesa e a Gas Natural Fenosa para fechar de vez o nuclear em Almaraz.

Artigo publicado em sabado.pt a 17 de janeiro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Investigador em Alterações Climáticas. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
(...)