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Euro 2016: Os méritos de um campeão improvável

Em 10 de julho, a angústia não tomou conta do espírito dos portugueses que, após alguns desaires infelizes com a seleção francesa, souberam esperar o tempo necessário para infligir uma derrota àquela que já era considerada a nossa “besta negra” em termos futebolísticos, e celebrar a primeira vitória da equipa nacional.
Até aí, o currículo de Portugal era pobre num país onde o futebol tem uma importância por vezes excessiva e é presença constante nos meios de comunicação social. Apesar de termos tido sucessivas gerações de grandes futebolistas, para os mais velhos, o momento mais alto do futebol português tinha sido o terceiro lugar conquistado no Mundial de Inglaterra no já distante ano de 1966, que consagrou Eusébio como o melhor marcador desse torneio e abriu caminho à sua consagração como um dos mais emblemáticos futebolistas portugueses de todos os tempos.
Os mais novos recordam ainda a profunda desilusão do Europeu de 2004 realizado em Portugal depois de uma caminhada quase sem mácula até à final realizada no Estádio da Luz, que terminou com a vitória da Grécia graças a um golo solitário de Angelos Charisteas. Quem diria?, interrogaram-se os entendidos em futebol. Ficou a honra, mas faltou uma vez mais a glória.
Mas esta incerteza e improbabilidade é talvez uma das razões pelas quais o futebol gera tantas paixões, já que podem transformar aquilo que parece impossível numa realidade positiva que destrói todas as análises de teor mais ou menos científico. É que, por vezes, a vitória sorri aos “patinhos feios" - e a expressão não é utilizada em tom depreciativo, expressando antes o querer, a vontade e a superação daqueles que raramente são colocados entre o lote dos favoritos.
Um começo pouco convincente
Portugal partiu para o Europeu de França com expetativas medianas. Destinado a fazer o melhor possível, ou seja, ultrapassar a fase de grupos e depois chegar aos quartos de final ou às meias-finais, seria já um feito interessante.
Mas nem isso parecia possível devido aos empates nos jogos de um grupo com equipas ambiciosas mas com pouco ou nenhum historial: a Islândia, uma estreante nestas andanças; a Hungria e a Áustria que também "desapareceu" das grandes competições internacionais.
Desta forma, sem ganhar nem perder, o estatuto da equipa portuguesa foi sofrendo danos, e muitos começaram a pensar, e outros a escrever, que a passagem pelo Europeu de França seria uma vez mais para esquecer. Desta vez, nem espaço haveria para invocar a expressão que durante décadas serviu para justificar "derrotas injustas" em “vitórias morais”.
Estaríamos assim uma vez mais “condenados” a assistir à consagração dos outros através da televisão e a dizer: “nós nunca lá iremos, porque falhamos sempre nos momentos cruciais”.
Fértil em surpresas e em lugares-comuns, o desporto em geral e o futebol em particular socorre-se muito da expressão “não há campeões sem sorte”. Verdade ou mentira, importa dizer que desta vez houve mais qualquer coisa que foi abrindo o caminho até à final no Stade de France, em Paris.
Quando já poucos acreditavam, emergiu Fernando Santos - que acabou por ser eleito o melhor selecionador do mundo em 2016, de acordo com o ranking da Federação Internacional de História e Estatística do Futebol (IFFHS), e que numa célebre conferência de imprensa revelou que tinha dito à família que só voltava para casa no dia 11 de julho, um dia após a realização da final. Quantos acreditaram nisso? Seguramente, um grupo muito reduzido.
Fruto de uma conjugação de resultados que interessava aos portugueses, a primeira fase foi ultrapassada e a partir daqui já não haveria empates nos resultados finais. Apenas o vencedor seguiria para o jogo seguinte.
entrámos em campo dispostos a desafiar a matemática, a história, o jogo das probabilidades e a arrogância futebolística francesa que nem nos seus piores pesadelos imaginaria perder com “le petit Portugal"
E assim Portugal lá passou a Croácia que, para muitos, era uma das seleções mais fortes do torneio, com um golo de Quaresma. A seguir, venceu a Polónia após a marcação de grandes penalidades e o País de Gales, desta vez com os nervos menos postos à prova. Neste jogo, os homens de Fernando Santos não vacilaram e disseram adeus aos galeses com dois golos sem resposta. Uma vitória sem mácula.
“Le petit Portugal”
E eis-nos na final contra a França. Muitos pensaram que estaríamos de novo condenados a ser finalistas vencidos, que é mais ou menos a mesma coisa que dizer “morrer na praia”.
As estatísticas não nos eram favoráveis, mas lá entrámos em campo dispostos a desafiar a matemática, a história, o jogo das probabilidades e a arrogância futebolística francesa que nem nos seus piores pesadelos imaginaria perder com “le petit Portugal”.
Até onde a memória alcança, recordamos um jogo muito tático onde uma equipa fez das tripas coração para contrariar o destino (Portugal), embora com uma qualidade de jogo não muito estimulante, e a outra (a França) ostentando títulos europeus e mundiais com uma atitude displicente na convicção de que o tempo se encarregaria de dar o “seu a seu dono”, isto é o(s) golos(s) a quem não "poderia" perder. Mas o tempo passou e o nulo persistiu.
Mas ainda havia o prolongamento . Num jogo muito disputado e por vez quezilento- lembremos que Ronaldo teve de abandonar o campo ainda na primeira parte devido a uma entrada violenta de um jogador francês - ambas as seleções pareciam começar a apostar nos penaltis para decidir o novo campeão. No entanto, ao minuto 106, emerge alguém a quem esteve sempre destinado um papel secundário, mas que decidiu assumir todo o protagonismo: Eder (sem acento no E, como ele gosta que se escreva) marcou um golo que fez ecoar um grito de vitória que atravessou todos os lugares onde há portugueses a fazer pela vida.
Portugal sagrou-se Campeão Europeu de Futebol. Com suor, lágrimas e mérito. Porque nunca deixou de acreditar quando poucos já anteviam um final feliz.

Apesar de nos últimos anos terem poucos motivos para sorrir, os portugueses explodiram de alegria e orgulho pelo feito da seleção.
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